Descritas novas espécies de répteis no Cerrado e Caatinga

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Espécies exclusivas dos biomas foram encontradas nos parques nacionais da Serra das Confusões, Piauí, e Grande Sertão Veredas, entre MG e BA

Brasília - Duas novas espécies de répteis brasileiros são oficialmente reconhecidas no meio científico nesse mês. Os lagartos Stenocercus squarrosus e Stenocercus quinarius tornaram-se os mais novos integrantes da fauna de répteis brasileiros, e são descritos na última edição do South American Journal of Herpetology, publicação da Sociedade Brasileira de Herpetologia. Eles são as primeiras espécies descritas entre as várias descobertas do maior levantamento feito no Cerrado brasileiro sobre a biodiversidade do grupo de répteis Squamata, que incluem lagartos, serpentes e anfisbenas, como são chamadas as cobras de duas cabeças.

A pesquisa, que registrou 253 Squamata no Cerrado, prova que a biodiversidade do bioma é ainda mais rica do que se pensava. Para o levantamento geral, foram percorridos mais de 30 mil quilômetros por dez estados, ao longo de sete anos de pesquisa, e coletados mais de 1.500 espécimes em campo. No Brasil, e especialmente no Cerrado, estes trabalhos de base, descritivos, ainda são extremamente urgentes. “Sem esses estudos não saberemos o que estamos protegendo e o que está sendo perdido em termos de biodiversidade”, salienta o analista em Biodiversidade da Conservação Internacional, Cristiano Nogueira, doutor em Ecologia, que descreveu as espécies em parceria com o zoólogo Miguel Trefaut Rodrigues professor do departamento de zoologia da Universidade de São Paulo.

Prioridade para a Conservação

As novas espécies descritas no artigo científico têm distribuição aparentemente restrita, ou seja, exclusivas de regiões especiais no Cerrado e seu contato com a Caatinga. As duas ocorrem em áreas prioritárias para a conservação, revisadas recentemente pelo Ministério do Meio Ambiente. Com uma taxa de desmatamento de 2,6 campos de futebol por minuto, o Cerrado é considerado um hotspot mundial, como são definidas as regiões com maior diversidade biológica e mais ameaçadas do planeta.

Encontrado na região do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, entre Minas Gerais e Bahia, numa das porções mais ricas em répteis no Cerrado, o Stenocercus quinarius está protegido dentro do Parque. No entanto, a situação das populações que estão fora da unidade não é favorável, devido à perda de vegetação nativa. “Não há como assegurar a conservação da espécie apenas no Parque”, frisa Nogueira, observando que “se as áreas do entorno continuarem sendo devastadas, as populações sofrerão perdas significativas, principalmente na região das chapadas do oeste baiano, hoje dominadas por monoculturas de soja”.

A situação do Stenocercus squarrosus é diferente, mas não menos preocupante. Ele foi encontrado pelo pesquisador e curador de Herpetologia do Museu de Zoologia da USP, Hussam Zaher, no Parque Nacional da Serra das Confusões, no sul do Piauí, que poderá ser ampliado em breve, protegendo uma área de transição entre o Cerrado e a Caatinga. “A expansão do Parque Nacional da Serra das Confusões e a conservação do entorno do Grande Sertão Veredas serão medidas importantes para as duas novas espécies”, conclui.

Testemunhos da história natural

As duas novas espécies ocorrem geralmente nos chamados carrascos - uma savana muito densa, seca, quase como uma floresta no topo de chapadas. “Eles vivem num ambiente muito restrito e visado pelas carvoarias”, alerta Nogueira. Rico em espécies endêmicas e com características geomorfológicas e de vegetação que o diferem das fisionomias típicas do Cerrado e da Caatinga, o carrasco pode representar o remanescente de um domínio anterior aos atuais, modificado por processos naturais climáticos e geológicos, e seu estudo deve oferecer pistas sobre a história natural da biodiversidade e das paisagens brasileiras. “As áreas de carrasco guardam informações biológicas antigas e únicas”, frisa o pesquisador. “Ainda não se sabe quais as origens deste tipo de ambiente, que em alguns locais já está sendo bastante impactado”.

Características

Com no máximo quatorze centímetros de comprimento até a cauda, e cabeça triangular sobre a qual há quatro protuberâncias que lembram, os Sternocercus parecem animais pré-históricos em miniatura. Eles vivem em troncos de árvores e em tocas feitas por outros bichos. Usam a coloração discreta como forma de camuflagem no ambiente natural, escapando dos predadores. Os nomes das espécies lembram aspectos da morfologia de cada um. Traduzindo do latim, “quinarius”, refere-se às cinco cristas salientes ao longo do corpo, e “squarrosus” diz respeito ao aspecto arrepiado das escamas do dorso.

Das mais de 50 espécies de Stenocercus conhecidas, a maioria está nas áreas elevadas da região Andina. A descrição das duas espécies representa um passo inicial para o conhecimento da diversidade de répteis no Cerrado, uma das regiões mais antigas da América Latina. Nogueira compara a descrição de novas espécies à montagem de um quebra-cabeça, em que cada informação é uma peça fundamental para completar o cenário original da biodiversidade. “Alguns estudos e mapeamentos de síntese só citavam as espécies de Stenocercus nos Andes; agora quando houver um estudo mais amplo desse gênero terão mais peças, e peças únicas e muito importantes, para o panorama geral da diversidade das áreas abertas do continente”, exemplifica.

Sandra Damiani Especialista em Comunicação
Conservação Internacional

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