E agora, Amazônia?

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Flávio Garcia

Enquanto se discutem e se negociam interesses político-partidários no País, com indiscutível ausência de novos referenciais para o desenvolvimento nacional, o mundo globalizado, em contrapartida, acaba de definir seus novos parâmetros, em termos de exigência ao suprimento de matérias-primas para seus complexos agroindustriais. Ou seja: novas áreas para suprir, pelo maior tempo possível, as exigências de manutenção dos interesses dos grandes grupos, seus empreendimentos, suprimento de mercado e, conseqüentemente, dos blocos de países hegemônicos a que pertencem.

Nesse particular, destaca-se a abrangência alcançada pela territorialidade da Amazônia brasileira, em sua incomparável riqueza em biodiversidade e pluralidade mineral, rarefação humana e facilidades para construção e montagem de estruturas destinadas ao escoamento do que for necessário.

E que, diga-se, já se encontram em execução, tendo à frente agências governamentais de outros países e grupos privados multinacionais, inclusas as ações de planejamento setorializado.

Tudo, evidentemente, favorecido pelo conjunto de interesses e aquiescência da elite dirigente do País, entre políticos e empresariado, comprometidos, há tempos, com a desnacionalização de grandes setores estratégicos da sócio-economia brasileira. Avulta, entre outros exemplos, a vigência, desde 1996, de legislação federal específica, a Lei Kandir, que concede isenção tributária a todos os produtos e serviços destinados à exportação!

Essa lei, apresentada como uma espécie de "providência complementar" às Áreas de Livre Comércio, que existia na Região Amazônica desde 1990 e a transformara numa Cayman brasileira, pelos incentivos, concessões e destribuições de toda ordem, típicas da ilha caribenha.

Esses relatos, tão preocupantes e verdadeiros, exigiram, em janeiro de 2006, seis reportagens publicadas no jornal "Correio Braziliense", de Brasília, para cobrir essa temática amazônica, a partir da visão integrada do jornalista Leonel Rocha.

A falta dessa visão integrada, no trato das situações e interesses nacionais, na região, pela quase totalidade dos organismos e membros dos poderes Executivo e Legislativo, é que tem perpetuado a problemática ali vigente, como se as partes nada tivessem a relacionar-se uma com as outras e com o todo, como era e é de se esperar. Afinal, nada acontece isoladamente, sem causas e efeitos!

Questões indígenas, regulamentação e ocupação de terras públicas e privadas, criação e gestão de parques e reservas naturais, circulação e transporte, com ênfase à navegação fluvial, mineração, agroindustrialização, desmatamentos e queimadas, tudo isso continua guardando pouquíssimo relacionamento com direitos, causas, conseqüências e interesses a que dizem respeito, no âmbito do planejamento, das intenções e das responsabilidades governamentais e privadas.

Daí que, da incontestável negligência, desinteresse de acompanhamento e fiscalização dessas questões, mais a insuficiência no repasse de recursos exigíveis e, muitas vezes, emergenciais, atingiu-se o quase total abandono de uma das áreas de maior riqueza e potencialidade em biodiversidade do planeta, o chamado Estuário Amazônico, onde se encontra a Ilha de Marajó. Atualmente, esse estuário é o único portal de entrada e saída da grande Amazônia brasileira, na parte oriental, rumo aos grandes mercados consumidores norte-americanos, europeus e asiáticos.

A constatação acima referida é como se fosse exigência histórica dos interesses dos grandes mercados, a cada dia mais ávidos por matérias-primas, como demonstram as diuturnas remessas de minérios da Serra dos Carajás. No caso do ouro, poucos brasileiros conhecem os volumes exportados!

Há, também, o caso da recente Lei nº 11.284/2006, recém-surgida, que trata das Concessões Florestais e Gestão das Florestas Públicas Brasileiras, localizadas quase totalmente na Amazônia, que passarão a ser exploradas, em grande parte, pelos consórcios madeireiros multinacionais.

É de se imaginar o imenso volume de madeiras a ser retirado e exportado, tudo isento de taxas e tributos específicos à exportação, nos termos da Lei Kandir. Um maná em lucratividade para os grandes conglomerados exportadores! E, como se não bastasse, já tramita na Câmara dos Deputados, depois da aprovação pelo Senado, o projeto de lei (nº 2.403/03) para isenção fiscal de produtos industrializados (IPI), a partir de matérias-primas de origem amazônica.

Vale dizer, produtos oriundos dos segmentos animal, vegetal, mineral, "agrossilvopastoril" (para não dizer gado e madeira), agroindustrial e certamente outros, na medida dos contínuos interesses mercadológicos externos. Essa proposição, salvo juízo dos autores e beneficiados, pode transformar a Amazônia brasileira na maior Área de Livre Comércio do Planeta!

Naturalmente, em função de suas riquezas, diversidade, potencialidade de recursos e extensão territorial, sempre haverá lugar para mais algum pretendente. Daí que, no outro extremo da região, em sua porção ocidental, abarcando os estados do Acre, parte de Rondônia e do Amazonas, novos e inimagináveis interesses já concluíram negociações para, no curto prazo, concluir e inaugurar rodovias que, em diferentes direções, levam ao Oceano Pacífico, através do vizinho Peru.

Abrem-se e se oferecem, dessa forma, os recursos naturais estratégicos da Amazônia brasileira às ilimitadas exigências dos mercados asiáticos, vale dizer, China, Japão e Índia, num primeiro momento. Esses interesses e negociações devem ter sido conduzidos pelo governo brasileiro sob "segredo de Estado", posto que nenhum meio de comunicação do País tratou desses fatos nos últimos cinco anos, embora envolvam ações nos âmbitos federal e estaduais, inclusive na iniciativa privada.

Só agora, após publicação pelo "Engenheiro", jornal da Federação Nacional dos Engenheiros (Ano IX, nº 64, setembro de 2007), se obteve um quadro bastante elucidativo do que se designou Rodovia Transoceânica do Pacífico. Essa obra, certamente, transformará aquela porção territorial do País em verdadeiro "empório" dos produtos e transações a serem efetivadas e exportados.

Empolgados com os reflexos de uma possível integração mercadológica, de serviços e obras de engenharia, entre as partes envolvidas, os autores dos textos do "Engenheiro" não trataram, como deviam, da inquestionável exigência de preocupação com os reflexos sócio-ambientais e de preservação dos recursos naturais amazônicos, que esse tipo de ação, de sentido intercontinental-globalizante, vai ocasionar!

Por tudo isso, e após informes e consultas a estudiosos e especialistas em diversas áreas, inclusive consultores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), chegou-se a consenso quanto ao dever de nosso governo de informar à sociedade brasileira sobre quais mecanismos, específicos e permanentes, acompanharão e fiscalizarão o conjunto dessas atividades, para impedir uma possível perda de controle sobre as explorações e retiradas de produtos.

Caso contrário, da inexistência ou ineficiência desses mecanismos de controle, pode-se concluir que terá início a maior devastação e predação dos recursos naturais na história da humanidade. Sem falar das repercussões de alcance sócio-econômico desses empreendimentos, que nem é bom imaginar!

Com a palavra, as autoridades brasileiros! E agora, Amazônia? (!)...

Flávio Garcia é engenheiro-agrônomo

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