Modernidade atrai e ameaça indígenas peruanos na Amazônia

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Javier Otazu - EFE

Panán (Peru), 9 set (EFE).- Cerca de 400 mil peruanos de 42 etnias diferentes vivem nas margens dos rios que cortam a Amazônia e subsistem de recursos naturais, ao mesmo tempo em que o mundo moderno os atrai e assusta.

Os nativos amazônicos peruanos ganharam notoriedade mundial em junho passado, quando protagonizaram violentos distúrbios que deixaram pelo menos 34 mortos. Os protestos eram contra uma série de leis de alto impacto ambiental.

A floresta e o rio dão aos indígenas tudo o que têm: madeira e folhas de palmeira para construir suas casas, os frutos que os alimentam ou os embriagam, e a água com se banham.

A região de El Alto Paranapura é o lar do povo shawi - chayahuita para os missionários espanhóis. É ali que tem sua origem Alberto Pizango, líder amazônico hoje asilado na Nicarágua por ter estimulado seu povo a se rebelar.

O povo shawi, da mesma forma que quase todas as etnias amazônicas, forma povoados mais ou menos dispersos onde chama a atenção a quantidade de crianças que transitam entre galinhas e cachorros.

"Aqui o normal é ter seis filhos", diz o apu (chefe índio) de Panán, Robinson Pinedo, que reconhece que as políticas de planejamento familiar não tem muito sucesso ente o povo da região.

Algo compreensível já que a maioria das mães traz seu primeiro filho ao mundo ainda com 13 ou 14 anos, como conta Henry Fuentes, diretor, no povoado vizinho de Varadero, de um internato onde diz recuperar as poucas adolescentes que conseguiram escapar do destino de ter várias crianças.

A razão para tantos filhos não está, no entanto, em uma fartura imensa de comida, já que a dieta das crianças consiste basicamente de banana e mandioca, sendo carne ou peixes algo raro em uma das duas refeições que costumam fazer ao dia.

"As crianças enganam a fome com o 'masatito'", diz Rafael Pua, diretor da escola de Frei Martín. O masato é o licor obtido após mastigar e depois cuspir a mandioca, sendo a saliva o elemento que fermenta.

É habitual ver as crianças com grandes tigelas de masato a qualquer hora do dia, enquanto os mais velhos não começam nenhuma reunião se não tiverem ingerido essa bebida. É até maleducado da parte de um visitante rejeitar uma boa tigela.

Se não fosse pela escola, a vida desses povoados seria pré-moderna, mas o Estado peruano, ainda que ausente, introduziu o ensino e conseguiu pelo menos enquadrar as crianças.

São, certamente, escolas superpovoadas, com poucos professores, instalações precárias e pouco material, mas locais onde as crianças aprendem o básico da leitura e da matemática e podem se sentir parte de um país.

A escola serve também como reforço alimentício, pois o Programa Nacional de Alimentos entrega a cada colégio sacas de arroz, azeite e leite que são cozinhados em uma panela comum e servem para dar às crianças, na hora do recreio, uma comida quente, para muitos a primeira do dia.

Os chayahuitas conservam um alto sentido comunitário. Possuem vacas, mas quase nunca as comem, porque as criam para vendê-las nas cidades em caso de necessidade, como quando alguém fica doente e é preciso custear as despesas do hospital.

A saúde é outra das questões pendentes do Estado: os povoados da região contam com um posto médico com enfermeiros, quase nunca médicos, para tratar doenças clássicas da floresta: diarréias e vômitos na estação seca, catarros e tosse na estação de chuvas.

Porém, as crianças frequentam o posto médico, como reconhece a enfermeira Mary Sevillano, de Panán. Os mais velhos preferem o chamán (bruxo), que fornece ervas e raízes, e segundo dizem é capaz de curar uma mordida de cobra apenas um canto.

O povo shawi quer mais escolas, quer bibliotecas e pede "uma sala de computação" quando não têm nem eletricidade. Talvez façam isso sem perceber que o dia em que tudo isso chegar, estará finda toda uma forma de vida.

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