Renato Grandelle - O Globo
RIO - A tão falada biodiversidade brasileira soa mais como ficção do que realidade para quem deseja conhecer as riquezas naturais do país. Boa parte de nossos mais exuberantes cenários está guardada a sete chaves nos parques nacionais. Em tese criados para oferecerem à população uma oportunidade de apreciar plantas, animais e paisagens naturais, os parques são território hostil para turistas. Caminhos com orientação são mais escassos do que espécies em extinção. É mais fácil deparar-se com a rãzinha Physalaemus soaresi, o anfíbio que motivou o adiamento da construção do Arco Metropolitano do Rio, do que encontrar trilhas sinalizadas na maioria dos parques brasileiros.
Outra ave rara é a autorização para pernoitar em abrigos, embora estes tenham sido concebidos para receber visitantes. Guias treinados são menos comuns do que micos-leões-dourados. Campeão mundial em diversidade de espécies, o país marca gol contra quando a ideia é exibir seu patrimônio. O Programa Parques da Copa - cuja meta é divulgar a imagem do Brasil no exterior como o mais rico do mundo em florestas e tesouros naturais - bate na trave da burocracia e em gestão ultrapassada. Por enquanto, o projeto, gerido pelos ministérios do Meio Ambiente (MMA) e Turismo (MTur), sequer tem recursos específicos.
Presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável no MMA pelos parques nacionais, Roberto Vizentin admite que o programa foi esvaziado. Inicialmente, previu-se que 23 unidades estavam entre as prioridades para 2014. Hoje, são 14 - 12 parques (sempre públicos, e que não permitem a ocupação humana) e duas áreas de proteção ambiental (estas podem ser privadas e habitadas).
- Programas têm metas, normas para licitação, cronograma. O Parques da Copa é, por enquanto, uma iniciativa - explica. - Obviamente a situação atual não é a que gostaríamos. Mas vamos nos dedicar para que os parques recebam a infraestrutura ideal até 2020. Algumas prioridades poderão ser atendidas até o ano que vem; outras, até os Jogos Olímpicos, e algumas ficarão para depois disso.
Propostas ambíguas orientam gestores
Vizentin, como outros ambientalistas, esperam que o Parques da Copa estimule principalmente o mercado interno. Na última década, 40 milhões de pessoas ascenderam à classe média, e o poder aquisitivo da população aumentou 47% entre 2005 e 2011. A urbanização, por sua vez, afastou a população do meio ambiente, gerando uma demanda crescente por espaços como os parques nacionais.
- Desenvolver uma cultura de visitação é uma das maiores dificuldades, além da localização remota destes parques e a necessidade de melhorá-los - assinala.
Segundo a lei 9985, sancionada em 2000, os parques nacionais existem para preservar o ecossistema, receber pesquisas científicas e explorar seu potencial turístico. Esta última função é, muitas vezes, impossibilitada por estradas precárias ou ausentes, regulamentação considerada excessiva por especialistas, funcionários pouco informados e gestores resistentes em abrir suas unidades. Mesmo quando a entrada é permitida, a visitação é restrita a uma pequena porção dos parques. O visitante, em vez de encorajado a explorar a natureza, parece indesejado, sob a alegação de que sua presença promoveria um grande impacto ambiental.
A bíblia de um parque nacional é o plano de manejo. Ele relaciona e estabelece regras sobre os limites da unidade, os habitats existentes, a presença de comunidades ribeirinhas ou indígenas. No entanto, mudanças naturais quase sempre tornam os planos de manejo obsoletos ou inadequados. Em alguns parques, o projeto original, mesmo já acumulando décadas, jamais foi aplicado. Gestores que não desejam visitantes encontram brechas nas regras para aumentar a fração de zonas intangíveis, aquelas em que nenhuma atividade humana, fora a pesquisa, é possível - o que contraria a finalidade dos parques.
Dos 68 parques nacionais, 50 não controlam o acesso de turistas. Há, no máximo, uma guarita. E, depois delas, um leque de problemas. Faltam serviços essenciais, como centro de visitantes, mapas, lanchonetes, trilhas sinalizadas e guias qualificados.
Os recursos humanos estão entre os pontos críticos. O ICMBio tem apenas 517 servidores instalados nestas unidades de conservação. Há, em média, oito funcionários para cada uma.
Os parques administrados pelo governo federal são um dos pilares do Plano Nacional do Turismo, que estabelece metas para tornar o Brasil uma potência no setor até 2022. A partir daí, o país seria alçado ao posto de terceiro maior mercado turístico do mundo - hoje, ele é o sexto.
A aposta nas unidades de conservação se tornou óbvia, quando o Fórum Econômico de Davos, em seu relatório de competitividade, pôs o Brasil na primeira posição no ranking mundial de belezas cênicas e naturais.
- Os parques respondem por cerca de 15% do território nacional - destaca Vinícius Lummertz, secretário nacional de Políticas de Turismo do MTur. - O Fórum de Davos ressalta como podemos explorar esta indústria de forma sustentável, mostrando que o Brasil não é só um país de sol e mar. Os parques não podem ficar apenas para os passarinhos.
Somadas, as unidades incluídas no Programa Parques da Copa recebem 5 milhões de pessoas por ano. Apenas quatro das 14 têm a infraestrutura adequada: Iguaçu (PR), Fernando de Noronha (PE), Tijuca e Serra dos Órgãos, ambos no Estado do Rio. A Tijuca, a mais popular, recebe 2,5 milhões de pessoas. Em grande parte, esta popularidade deve-se não às suas trilhas, mas ao seu maior cartão postal: o Cristo Redentor. Enquanto os turistas se enfileiram aos pés do monumento, caminhos próximos dali seguem desconhecidos. Um deles é o que margeia o Rio Carioca, cujo nome foi adotado como gentílico da cidade, e que deságua em um ponto igualmente negligenciado - a poluída Baía de Guanabara.