Europa quer produzir biocombustíveis a partir do esgoto

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Audrey Garric - Le Monde

Produzir combustível a partir do nosso esgoto?

Essa ideia aparentemente maluca pode se tornar realidade. No sul da Espanha, está sendo testada uma tecnologia que recorre a microalgas, permitindo fabricar biocombustíveis a partir de águas residuais -- efluentes cujo tratamento custa muito caro aos municípios. É um setor promissor, mas ainda complexo e custoso.

Batizado de All-Gas (pronuncia-se como "algas"), o projeto, lançado em 2011, acaba de realizar suas primeiras colheitas de algas, da unidade-piloto situada na estação de depuração da cidade balneária de Chiclana de la Frontera, perto de Cádis.

A usina, que por enquanto se estende por 200 metros quadrados, tem por objetivo tratar em 2016 o fitoplâncton cultivado sobre dez hectares e abastecer 200 carros e 20 caminhões a biogás. O responsável por esse projeto de 12 milhões de euros, que é 60% financiado pela União Europeia, é um consórcio de seis empresas conduzido pela espanhola Aqualia, número três do mundo em gestão de águas.


Escala industrial

"É a primeira vez no mundo que se transforma água residual em biocombustível em um demonstrador em escala industrial, fora de laboratório", comemora Frank Rogalla, coordenador do programa e diretor de inovação da Aqualia. "Queremos mostrar que essa tecnologia é viável do ponto de vista técnico e econômico."

No centro desse experimento está uma antiga técnica de depuração de águas, atualizada: a lagunagem. Em bacias de 32 metros quadrados de superfície e 30 centímetros de profundidade, microalgas se desenvolvem naturalmente através de fotossíntese, somente revolvidas por rodas ao amanhecer.

Quase todos os ingredientes necessários à eflorescência estão presentes no local: luz, água e nutrientes -- o nitrogênio e o fósforo encontrados nos efluentes residuais pré-tratados. Resta injetar dióxido de carbono (CO2), originado da combustão de resíduos verdes. "As algas transformam o CO2 em oxigênio, o que permite o desenvolvimento de bactérias, as quais decompõem a matéria orgânica," diz Frank Rogalla. "O conjunto desse ecossistema natural purifica a água."

Consumo energético elevado

Uma vez cumprido seu papel depurador, as microalgas, bem como parte da matéria orgânica restante, são aproveitadas energeticamente: recolhidas e depois colocadas em digestores, elas produzem um biogás composto essencialmente de metano.

"Creio que vamos abastecer nossos primeiros carros com biogás no final do ano", espera Frank Rogalla. Por enquanto, com 6 quilos de algas por dia, as colheitas são pequenas. Mas os responsáveis pelo projeto pretendem instalar rapidamente novas bacias. Com o tempo, a produção intencionada de 100 toneladas de algas por hectare e por ano deverá permitir a produção anual de 450 toneladas de metano no local, além de tratar metade das águas residuais da cidade de Chiclana de la Frontera. Essa equação poderia resolver os dois principais pontos fracos dos biocombustíveis oriundos de algas: seu saldo energético e seu custo.

De dois anos para cá as algas têm sido promovidas pela Comissão Europeia para substituir os agrocombustíveis originados da colza, da soja, do milho ou de palmeiras, menosprezados em razão de um saldo de carbono não tão favorável e da concorrência com as terras devolutas aos cultivos de alimentos. De qualquer forma, os combustíveis à base de algas, que ainda não são produzidos em escala industrial, são criticados em razão de seu consumo energético bastante elevado. "Ainda se gasta energia demais para o revolvimento, a colheita e o reuso das algas", alerta Olivier Bernard, especialista em microalgas no Instituto Nacional de Pesquisa em Informática e Automação (Inria).

Técnica viável até 2020

"No projeto All-Gas, o consumo energético é limitado, pois por enquanto só produzimos metano, e não bioetanol ou biodiesel, cuja extração é mais complexa", afirma Frank Rogalla. "Além disso, a associação de algas e bactérias nas lagoas permite um ganho em energia em relação aos procedimentos das estações de depuração." Nestas últimas, o chamado modo de depuração "de lamas ativadas" necessita de uma injeção de oxigênio para permitir o desenvolvimento de bactérias, o que consome energia.

Já a utilização de águas residuais abaixa o custo de produção dos biocombustíveis. "O tratamento das águas dos municípios nos proporciona uma fonte de renda que amortiza as instalações", afirma Frank Rogalla. Graças a isso, ele espera vender metano a preço de mercado, ou seja, 40 centavos de euro o metro cúbico.

Outro obstáculo a ser superado é a produtividade. "As microalgas que se desenvolvem naturalmente nesses ambientes contaminados não são necessariamente aquelas que darão mais biocombustível", conclui Olivier Bernard. "Ainda há barreiras a romper antes de conseguirmos produzir em grande escala combustíveis originados de algas. Mas a técnica, promissora, deverá ser viável até 2020."

Tradutor: UOL


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