Análise: a batalha dos biocombustíveis

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Após serem saudados como uma solução a inúmeros problemas (petróleo, efeito-estufa), os novos combustíveis ganham novos adversários que apontam os desequilíbrios ambientais que estes começaram a gerar

De Gaëlle Dupont – Le Monde

Até uma data recente, os promotores dos biocombustíveis haviam enfrentado um único obstáculo verdadeiro apenas: a oposição dos grupos petroleiros, pouco interessados em ver o seu monopólio energético ser questionado. Alguns observadores haviam chamado a atenção para a ocorrência de possíveis perturbações econômicas e ecológicas que resultariam da produção maciça de combustíveis oriundos da cana-de-açúcar, do milho ou da beterraba (destinados à fabricação do etanol) e da palmeira de óleo, da soja, da colza, ou do girassol (para o biodiesel). Mas esses avisos eram isolados e pouco audíveis, em meio aos aplausos que saudavam o surgimento de substitutos "limpos" para o petróleo.

Esta discussão já é coisa do passado. Vindas de muitos lugares, inúmeras advertências contra os novos combustíveis têm sido proferidas nas últimas semanas. O mais célebre representante desta frente é Fidel Castro. Desde a assinatura, no final de março, de um acordo de cooperação e de promoção dos biocombustíveis entre os Estados Unidos e o Brasil, o dirigente cubano não se cansa de tomar posição contra "a idéia sinistra de converter os alimentos em combustíveis", o que, segundo ele, poderia conduzir à "morte prematura de bilhões de pessoas", por causa da fome.

No mesmo momento, George Monbiot, um editorialista do diário inglês "The Guardian", faz campanha por uma proibição durante cinco anos do desenvolvimento dos processos de fabricação e de consumo dos biocombustíveis, alegando um "desastre ecológico e humanitário" que estaria por vir. Também foi criada recentemente uma coalizão européia batizada de "biofuelwatch" ("de olho nos biocombustíveis"), que exige o abandono dos objetivos fixados pela União Européia (10% de combustíveis de origem vegetal nos tanques de todos os veículos daqui até 2020).

"Este objetivo vai favorecer a cultura de variedades com rendimentos energéticos reduzidos, dar início a um processo de desmatamento intensivo, provocar danos no plano da biodiversidade e exacerbar os conflitos locais relacionados ao uso do solo", escrevem os ecologistas, que, daqui para frente, preferem falar em agros combustíveis".

Como é grande o contraste com o entusiasmo que prevalecia até então! Ao se referirem aos biocombustíveis, os especialistas até agora enxergavam apenas as suas vantagens: a redução das emissões de gases causadores do efeito-estufa, o fim da dependência energética, e, sobretudo, o advento de um novo campo de atuação para os agricultores em busca de uma imagem mais ecologista. Na França, a Fnsea, uma federação sindical agrícola majoritária, tem sido a mais ardorosa promotora dos biocombustíveis. Isso explica a predisposição favorável do governo, que determinou objetivos mais arrojados que os da UE. O presidente eleito Nicolas Sarkozy prometeu dar continuidade a esta política.

De fato, os biocombustíveis constituem um pretexto para os eleitos dos países ricos que lhes permite evitar abordar de frente uma questão perigosa: o aumento vertiginoso das emissões de gases de efeito-estufa relacionadas aos transportes e à eficiência dos deslocamentos das pessoas e das mercadorias. Um apoio político irrestrito arraigou nas mentes a idéia segundo a qual esses novos combustíveis tomariam o lugar da gasolina e do diesel sem que isso provoque quaisquer problemas.

Ora, esta maneira de ver se revela profundamente equivocada. Em primeiro lugar, o seu rendimento energético é desigual. As únicas plantas que oferecem um desempenho realmente satisfatório crescem nas regiões dos trópicos: a cana-de-açúcar para o etanol, a palmeira de óleo para o biodiesel. O rendimento da cana é duas vezes superior ao do milho.

Os métodos de cultura são contestados. "Seria economicamente absurdo dedicar grandes quantidades de energia, por meio do uso intensivo de adubos, para produzir energia", sublinha Michel Griffon, um responsável do departamento da agricultura e do desenvolvimento sustentável da Agência nacional da pesquisa científica. "De fato, os adubos azotados provêm em sua maior parte do gás natural, cujos preços vão aumentar. Os fosfatos são rochas fósseis e a sua utilização intensiva pelos centros de produção agrícolas representa um custo importante de transporte".

Os engenheiros agrônomos temem que sejam criadas as condições para uma corrida desenfreada da terra, motivada pelos "quatro F" - Food (alimentação humana), Feed (alimentação animal), Fiber (têxteis) e Fuel (combustíveis).

Embora os biocombustíveis representem menos de 1% da energia produzida em todo o mundo, a sua influência sobre as cotações das matérias-primas agrícolas já se faz sentir. Ora, muitos são os países que definiram objetivos de desenvolvimento ambiciosos para os próximos anos. "Nós precisaríamos de dois planetas para encher os estômagos, abastecer os tanques e preservar o futuro da biodiversidade", resume Michel Griffon.

"Política maluca"

As florestas tropicais e as zonas úmidas, que são os principais reservatórios de biodiversidade, estão na linha de frente neste processo. A expansão da cultura da cana-de-açúcar no centro-oeste do Brasil teria assim por efeito de deslocar as culturas de soja e os pastos, as quais penetrariam cada vez mais nas terras ocupadas pela floresta amazônica.

Mas este raciocínio é rejeitado por Marcos Jank, o presidente do Instituto Brasileiro dos Estudos Comerciais e das Negociações Internacionais. "O espaço disponível no Brasil é considerável, e a produção ainda permanece pouco intensiva", afirma Jank. "Estamos abandonando aos poucos sistemas de cultura dominados pela criação de gado e a soja, em proveito de sistemas diversificados, nos quais a cana é incluída nos sistemas de rotatividade".

"O desmatamento está mais vinculado aos cortes ilegais de madeira e ao regime de propriedade da terra", acrescenta Marcos Jank. O governo brasileiro também contesta essas críticas.

O processo de danificação da floresta do Sudeste asiático já começou. As florestas primárias da Indonésia e da Malásia estão partindo em fumaça para dar lugar a plantações de palmeira de óleo. Ora, as cotações foram dopadas pela demanda européia relacionada ao desenvolvimento dos biocombustíveis extraídos da colza, da qual o óleo de palma é um substituto. A perda de biodiversidade é imensa. Além disso, preciosos poços de carbono foram suprimidos.

O meio-ambiente dos países ricos também poderia ser prejudicado. "Nos Estados Unidos, as culturas de milho destinado à produção do etanol vão aumentando rumo ao oeste, por meio da utilização de uma água retirada de um lençol aqüífero fóssil", comenta Ronald Steenblik, um diretor de pesquisas do instituto americano Global Subsidie Initiative. "A utilização de adubos, de pesticidas, e a erosão vêm aumentando junto com essas culturas. Trata-se de uma política maluca, cara e nociva para o meio-ambiente".

Na Europa, a Agência Européia para o Meio-Ambiente (cuja sigla em francês é AEE) elaborou uma lista de precauções indispensáveis a serem tomadas para conciliar as culturas energéticas com a proteção do meio-ambiente (manutenção de zonas de terra em repouso, conversão de 30% das terras em agricultura biológica). A Comissão Européia deu início, em 30 de abril, a uma consulta pública sobre os meios de garantir a "viabilidade ambiental" dos biocombustíveis, de modo a preparar uma proposta de diretriz-quadro sobre as energias renováveis. Mas ela tomou a iniciativa dessa consulta somente após ter definido um objetivo em números muito difícil de ser atingido.

O advento de biocombustíveis de segunda geração, simultaneamente mais produtivos e respeitosos do meio-ambiente, tem sido utilizado cada vez mais como um argumento em resposta a essas preocupações. Mas estes só se tornarão uma realidade dentro de uma ou duas décadas. Nesse meio-tempo, os danos à biodiversidade poderiam ser importantes, e eles não serão reparáveis.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

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