Aquecimento global será bom para a Rússia

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Pravda

O especialista russo do Instituto Hidrológico Estatal, em São Petersburgo, Oleg Anisimov acredita que o aquecimento global será bom para a Rússia . É um ponto de vista surpreendente vindo de alguém que nem faz parte do grupo de pesquisadores que tentam negar o perigo global, os chamados céticos do efeito estufa. Longe disso, Anisimov é uma das referências internacionais no assunto. Ele foi um dos integrantes do Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC), da ONU, que fez o mais importante levantamento das conseqüências mundiais do aquecimento. Ele explica seu otimismo em uma entrevista a revista Época.

ÉPOCA – Como o aquecimento global vai afetar a Rússia?

Oleg Anisimov – Quando se fala em mudanças climáticas, minha percepção é que, de forma geral, a Rússia vai se beneficiar. Primeiro, teremos melhores recursos hídricos, porque com o aquecimento haverá maior circulação de água em rios e lagos hoje congelados. Além disso, o clima será mais agradável para viver na maior parte do país. Os que vivem no norte terão invernos mais amenos. Isso significa menos gasto de energia para calefação, o que tem um impacto considerável na economia doméstica e das empresas. Teoricamente, poderemos também aumentar nossa área plantável, embora ainda existam projeções que indiquem mais secas. A produção de madeira em nossas florestas vai aumentar porque o ciclo de crescimento das árvores poderá se acelerar. E a própria área coberta pelas florestas poderá crescer. O único aspecto preocupante é o derretimento do permafrost.

ÉPOCA – Por quê?

Anisimov – Cerca de 65% do território da Rússia é coberto pelo permafrost, um tipo de solo que fica congelado por mais de três anos consecutivos. Várias cidades foram construídas em cima desse solo, que sempre foi sólido e estável. Há infra-estrutura, como estradas e linhas de transmissão elétricas. Até oleodutos. O que precisamos descobrir agora são as conseqüências do derretimento para as construções. No momento, estamos mapeando quais são as cidades e estruturas industriais mais sensíveis.

Teremos mais recursos hídricos com o descongelamento de rios e lagos. Vamos gastar menos com calefação.

ÉPOCA – Qual é o tamanho do estrago?

Anisimov – Há cidades com prédios de sete andares. O suficiente para causar danos materiais em caso de desabamento. É só visitar a cidade de Norilsk, que cresceu com a mineração de níquel e virou um grande centro urbano. Ninguém imaginou que o chão fosse derreter. Os engenheiros construíram os prédios com as fundações fincadas no solo congelado.

Mas agora o solo fica instável quando a temperatura se aproxima de zero grau. Entre 1 grau negativo e 1 grau positivo, o chão fica instável. Ele deixa de ser uma cola que segura as fundações dos prédios. As rachaduras aparecem aos poucos. O derretimento é lento. Isso é um problema, porque vários moradores não acreditam que a casa vai desabar enquanto eles estiverem vivos. Mas acontece. E o prejuízo material é grande. Estamos desenvolvendo sistemas de alerta. Algo semelhante com os alarmes para terremotos.

ÉPOCA – O que é possível fazer para segurar as construções?

Anisimov – Uma das técnicas mais comuns é um equipamento que ajuda a resfriar o permafrost. São os termossifões, tubos com 4 ou 5 metros que você enterra no chão. No alto, eles têm uma abertura. Durante o inverno, o permafrost está mais quente que o ar.

O líquido aprisionado dentro do tubo evapora e sobe. Quando chega ao topo do tubo, entra em contato com o ar frio e se condensa de novo. Isso ajuda a expulsar o calor do solo e resfria o terreno em volta. Manter essa temperatura do permafrost mais fria no inverno ajuda-o a suportar melhor o verão. Os Estados Unidos estão usando esses termossifões para segurar a estrutura dos oleodutos do Alasca.

ÉPOCA – O derretimento do permafrost pode liberar gases, como o metano, que contribuem para o aquecimento global. Isso não o preocupa?

Anisimov – Os solos do Ártico não são muito produtivos, mas durante séculos eles acumularam matéria orgânica de árvores e folhas que caíram no chão e ficaram congeladas. Há uma camada de 20 a 25 centímetros, com material orgânico ali. Em alguns lugares, pode chegar a 1 metro de profundidade, com alta concentração de carbono. Se a temperatura aumenta, esse material entra em decomposição. Ele pode liberar dióxido de carbono.

Ou pior, gás metano, que é 23 vezes mais poderoso para aquecer a Terra. Segundo alguns estudos publicados no ano passado, o derretimento de milhões de quilômetros quadrados de permafrost na Sibéria poderia ameaçar o clima da Terra. Nós fizemos um levantamento e descobrimos que o potencial não é tão grande assim. Se todo o permafrost russo começar a derreter, conforme os modelos mais aceitos de aquecimento da Terra, serão emitidos cerca de 8 milhões a 10 milhões de toneladas a mais de metano por ano.

ÉPOCA – Isso é muito?

Anisimov – Nós calculamos que isso poderia contribuir para um aumento de aproximadamente 1 centésimo de grau Celsius em meados deste século. Seria algo na ordem de 1% do aquecimento total.

ÉPOCA – O senhor não tem medo do que essas mudanças climáticas podem fazer no futuro? Como seria a vida de seus netos?

Anisimov – Estou mais preocupado com as perspectivas econômicas de meu país. E principalmente com o cenário político da Rússia. Como cientista, sei que podemos minimizar esses desastres naturais com inteligência e planejamento. Mas nossos políticos não estão realmente interessados. Sinto-me à vontade com a comunidade científica de todos os países. No entanto, não consigo estabelecer um diálogo produtivo com a classe política. Os políticos pensam diferente. Talvez porque tenham um padrão de vida diferente do meu e da população em geral.

ÉPOCA – Será que algumas populações de países já quentes terão de se mudar para a Rússia?

Anisimov – Talvez. Vocês do Brasil serão muito bem-vindos.

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