“A energia nuclear é um fracasso”

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O especialista francês diz que as usinas atômicas de seu país não são uma solução para o Brasil



Margarida Telles

QUEM É

Yves Marignac é diretor-executivo da agência de informação sobre energia nuclear Wise-Paris

O QUE FEZ

Pesquisou energia nuclear na Universidade de Paris-XI e no Centro Francês de Estudos Nucleares (CEA). Foi do Conselho de Energia Nuclear do governo da França e do Parlamento europeu

O QUE PUBLICOU

É o principal autor do relatório “Energia nuclear, a grande ilusão – promessas, entraves e ameaças”, feito pela ONG francesa Global Chance

O átomo esteve na pauta do encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Nicolas Sarkozy, na semana passada. O governo brasileiro já manifestou planos para um acordo de importação de usinas nucleares. Seria a ampliação de uma parceria, assinada em dezembro passado, que prevê a construção de um submarino nuclear, estaleiros e uma base no Rio de Janeiro. Para Ives Marignac, especialista francês em energia nuclear e diretor-executivo da agência de informação sobre energia Wise-Paris, as usinas, que fornecem 80% da eletricidade na França, não seriam um bom negócio para o Brasil.

ÉPOCA – A busca por alternativas ao petróleo está gerando uma espécie de retomada da energia nuclear. Isso não é bom?

Yves Marignac – A indústria nuclear ficou muitos anos parada, mas agora estão surgindo novos projetos. Embora eu ache que esse retorno seja real, não há perspectivas de a indústria nuclear crescer no mundo em grande escala. As usinas contribuem para menos de 3% da geração de energia do planeta. A energia nuclear é enorme no sentido de investimentos e riscos, mas pequena em termos de contribuição real.

ÉPOCA – Por que, então, países como Finlândia, Índia e China estão investindo em novos reatores?

Marignac – Existem 440 reatores no mundo, e eles estão envelhecendo. Isso significa que muitos terão de ser substituídos nos próximos 20 anos. A indústria nuclear não está em situação financeira de produzir reatores em grande número agora, pois ficou parada por muito tempo. Novas construções são feitas na Europa neste momento, na França e na Finlândia. São locais fáceis de construir, e os países têm conhecimentos na área. Mesmo assim, ambos os projetos estão com anos de atraso.

ÉPOCA – A energia nuclear não foi a opção da França para alimentar o país?

Marignac – No final da Segunda Guerra Mundial, houve um consenso de que a energia nuclear seria uma parte importante de nossa reconstrução política e econômica. Isso foi logo após as armas nucleares ganharem visibilidade no cenário mundial e de a energia nuclear começar a ser usada para criar eletricidade. A geração foi importante na década de 1970, com a crise do petróleo. Na época, o argumento era que, com a energia nuclear, a França se tornaria menos dependente do petróleo. Mas isso não aconteceu. O programa é um fracasso quanto a seu objetivo inicial.

ÉPOCA – O presidente Sarkozy tem uma das políticas mais elogiadas pelos ambientalistas. Hoje, é um dos líderes em programas de combate ao aquecimento global. Isso inclui incentivos ao uso da energia nuclear, que não contribui para as mudanças climáticas. Não faz sentido?

Marignac – Um interesse é atrair lucro para a indústria francesa, que precisa de projetos de exportação para se manter. Os acordos nucleares que o país tem desenvolvido também são uma forma de tentar reconquistar nossa liderança política, que aos poucos vai se perdendo. Isso é muito visível no norte da África, onde o presidente Sarkozy tem insistido em projetos nucleares com Marrocos, Argélia e Líbia. A verdade é que o programa nuclear francês é tão grande e foi tão incentivado pelo governo que as pessoas envolvidas acham que não podem mais confessar que existem problemas. É mais fácil continuar com um erro que admiti-lo.

ÉPOCA – A França produz 50% da energia que usa, um índice bem alto. E consegue isso porque tira 80% de sua eletricidade dos reatores. Não é um caso de sucesso?

Marignac – As usinas nucleares correpondem a 80% da produção de energia elétrica na França. Mas a eletricidade é só 20% do consumo final de energia do país. O poder nuclear é, assim, apenas 18% do que consumimos. Como a França pode ser 50% independente se a única energia produzida domesticamente é inferior a 20% do que consumimos? Os dados oficiais partem da energia primária, não da final. Dois terços da energia primária gerada do urânio são desperdiçados. O governo está contando energia desperdiçada e ainda anuncia os dados com felicidade! Outra mentira é considerar a energia nuclear produzida na França como totalmente francesa. A última mina de urânio do país foi fechada em 2001, então agora usa-se apenas urânio importado. Por que o governo diferencia em seus cálculos o petróleo importado do urânio importado? É uma forma de falsificar dados.

ÉPOCA – Mesmo assim, a energia elétrica na França é uma das mais baratas da Europa.

Marignac – Isso ocorre porque o mercado de energia era regulado até recentemente. A energia nuclear foi um enorme investimento, que precisava ser recompensado. Num mercado regulado, os preços não refletem os custos reais, que deveriam ser altos no início, para amortecer os investimentos. Até agora, nenhum gerador foi construído e operado sem dinheiro público, num mercado livre. A competição econômica não dá chances para a energia nuclear.

ÉPOCA – Do ponto de vista ecológico, a energia nuclear é uma opção pouco poluente. Ela poderia contribuir para reduzirmos as emissões de gás carbônico?

Marignac – Para a energia nuclear contribuir significativamente para a diminuição das emissões de gases, precisaríamos construir dez vezes mais reatores nucleares do que temos hoje, em 20 anos. Mesmo se conseguíssemos, quanto mais rápido os desenvolvermos, maiores serão os riscos técnicos. Também precisaríamos construir reatores em países politicamente instáveis. A tecnologia nuclear prevê adversidades como terremotos e bombas. Mas não atentados terroristas, como o de 11 de setembro. Hoje, a França determina que, se um grupo ou país atacasse uma usina nuclear em nosso território, a retaliação seria com as armas nucleares francesas.

ÉPOCA – As fontes renováveis não produzem a energia que o mundo precisa. Como abrir mão da energia nuclear?

Marignac – Afirmar que a energia nuclear poderia ser uma parte significativa da solução da crise energética do mundo é exagerado. Os Estados Unidos nos dão um bom exemplo. Eles são os maiores emissores de gás carbônico. Ao mesmo tempo, são o terceiro maior produtor de energia nuclear, com mais de cem reatores. No caso francês, uma coisa semelhante aconteceu. Colocaram tanta ênfase no programa nuclear que isso teve um impacto negativo no desenvolvimento de eficácia energética e de alternativas de energia renovável. As pessoas não aprenderam a economizar, e o governo não investiu em outras formas de energia. É extremamente importante para países em desenvolvimento, como o Brasil, investir em eficácia energética, tornando os novos prédios e indústrias menos dependentes de energia elétrica. Não recomendo a energia nuclear francesa como solução energética para o Brasil.

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