O consultor Mário Veiga, que tem uma das mais respeitadas consultorias de energia do mercado, acha que é “recomendável” que o governo decrete racionamento a partir de maio.
Miriam Leitão | GloboNews
O consultor Mário Veiga, que tem uma das mais respeitadas consultorias de energia do mercado, acha que é “recomendável” que o governo decrete racionamento a partir de maio. Sabe que isso não será feito e o risco é o de que se chegue ao fim do ano com apenas 10% de água nos reservatórios, o que seria uma situação “desesperadora” e forçaria um racionamento mais drástico.
Veiga, em entrevista que me concedeu na Globonews, deu um número assustador para a conta que está se acumulando entre 2013 e 2014 pela decisão da presidente Dilma de reduzir o preço da energia:
— Em 2013, a compensação pela redução ficou em R$ 18 bilhões, sendo que R$ 10 bilhões serão pagos pelo consumidor a partir do ano que vem, o resto o contribuinte pagou através de subsídios do Tesouro. Em 2014, serão R$ 10 bilhões do Tesouro e mais empréstimos às distribuidoras entre R$ 12 bi a R$ 24 bi. Ao todo, a conta chega a R$ 50 bilhões no pior cenário, e isso será pago em parcelas em cinco anos, o que dá 7% de aumento real por ano sem falar em outros custos.
A situação chegou nesse ponto por vários motivos. Um deles é que o governo errou e não fez os leilões necessários para permitir que as distribuidoras contratassem toda a energia que têm que fornecer:
— As distribuidoras têm zero de culpa. O governo falhou ao não fazer o leilão. Pela lei, as empresas têm que comprar em leilão toda a energia que vão vender. É como se fosse assim: como vai chover, a pessoa tem que comprar guarda-chuva. A lei manda que todos tenham guarda-chuva. Sempre houve pequenos problemas, mas que as distribuidoras pagavam e depois, no reajuste anual da tarifa, se compensavam. Só que agora houve um grande vencimento de contratos. Uma quantidade brutal de energia ficou sem contrato. Venceram 8.600 megawatts médios.
Isso desequilibrou as empresas financeiramente, porque elas têm que pagar um custo muito maior do que podem cobrar dos consumidores:
— Elas foram ao governo e disseram que iriam quebrar. O custo é de R$ 10 bi e isso é mais do que toda a renda das empresas somadas.
Mário Veiga disse que há um mistério no setor de energia: mesmo em anos em que a hidrologia é boa e começa-se com um nível alto nos reservatórios — isso aconteceu em 2010 e 2012 — o ano termina com baixo volume de água nos reservatórios. Ele fez cálculos, simulou o que houve em anos anteriores e como deveria ter se comportado o nível de água. Pelo modelo do governo, dá sempre mais do que realmente há de água poupada:
— Diante de um mistério como esse, tem que se fazer como Sherlock Holmes: eliminar todas as causas impossíveis e aí a causa possível é a mais provável.
A causa possível é que as hidrelétricas estão gastando mais água para gerar o volume previsto de energia:
— Alguns reservatórios são enormes, maiores que a Baía de Guanabara, e se medem calculando a profundidade. Mas é necessário atualizar o cálculo do fundo do reservatório porque pode haver assoreamento e sedimentos. Há décadas ninguém atualiza essas contas.
Então, mais do que não fazer investimento em aumento da eficiência das atuais hidrelétricas, o governo não tem sequer feito análises para saber quanto de água realmente há nos reservatórios e qual a dimensão deles. Toma como garantido a situação inicial desses reservatórios. Veiga compara o comportamento a uma pessoa que compra um carro zero que faz 30 quilômetros por litro e que com o passar do tempo perde eficiência, mas o dono continua contando com aquele mesmo consumo:
— O comportamento das hidrelétricas, a água que elas gastam para produzir cada MWh é maior do que está nas projeções oficiais.
Ele disse que é possível ver esse desequilíbrio avaliando as projeções do governo nos anos recentes em que, mesmo quando a situação estava normal, a queda de água foi maior do que o previsto. Este ano, piorou.
— Este ano, a situação está ruim. Vamos chegar ao fim de abril com 37% de água armazenada nos reservatórios. Numa análise de 18 anos, este é o segundo pior número. Só superado por 2001, o ano em que houve aquela coisa que não se pode falar a palavra.
Ele acha que seria prudente o governo começar a falar a palavra racionamento e no próximo mês, mas sabe que ele não será prudente. Isso aumenta a conta hidrológica e financeira para 2015. Até 2020 estaremos pagando essa conta.