Recuperação das lagoas da Zona Oeste não será concluída antes das Olimpíadas

0

Governo estadual reconhece que dragagem de lodo não será feita a tempo dos jogos; Projeto previa a retirada de 5 milhões de metros cúbicos de detritos


Emanuel Alencar | O Globo

RIO - Seis meses após o Ministério Público estadual e a Secretaria estadual do Ambiente pactuarem uma solução para o imbróglio envolvendo o início das obras de dragagem das lagoas da Barra e de Jacarepaguá, o impasse permanece. O procurador da República Sérgio Suiama, que investiga o caso, garante que vai recorrer à Justiça para impedir qualquer intervenção no ecossistema até que o governo apresente estudos ambientais, detalhe a área de despejo de sedimentos e envie uma cópia do contrato com as empreiteiras vencedoras da licitação.




Orçado em R$ 673 milhões — sendo R$ 402 milhões provenientes de um empréstimo do Banco do Brasil e R$ 271 milhões do Fundo Estadual de Conservação Ambiental (Fecam) —, o projeto de recuperação das lagoas não será concluído antes dos Jogos Olímpicos: o cronograma inicial previa 30 meses para a retirada de mais de 5 milhões de metros cúbicos de detritos.

Desde o início do ano, Suiama notificou o secretário estadual do Ambiente, André Corrêa, três vezes. Até agora, não obteve respostas. O procurador quer saber que área receberá o material dragado e o exato volume de lodo a ser retirado das lagoas. Trata-se de compromissos do caderno de encargos das Olimpíadas, embora o complexo lagunar não vá receber competições em agosto do ano que vem.

Ele argumenta que o plano de despejo dos sedimentos na região da Pedra da Panela, na Gardênia Azul, deve ser desconsiderado, pois a área tem recuperação ambiental determinada pelo Ibama. Se a opção for construir uma ilha-parque com os resíduos — previsto no projeto original —, o MPF não abrirá mão de estudos mais aprofundados.

— Como avalizar o início de uma obra sem que haja contrato, Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) e alternativas de locais de despejo dos sedimentos? O governo do estado mudou o escopo do projeto várias vezes, mas nunca apresentou estudos ambientais. Vou recorrer caso haja assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público estadual. É do MP Federal a responsabilidade sobre o sistema lagunar, por conta da influência das marés — afirma Sérgio Suiama.

O secretário estadual do Ambiente, André Corrêa, diz que os recursos financeiros estão garantidos, mas admite que a conclusão do trabalho não acontecerá antes dos Jogos.

— O cronograma da obra não vai mudar. De fato, não dará tempo. Mas até os Jogos teremos alguma melhoria. A população pode esperar uma melhor circulação hídrica no complexo lagunar, mas não da qualidade da água. Não estamos tratando da solução definitiva — observa o secretário, que faz um apelo aos órgãos fiscalizadores: — Não posso ficar como marisco na briga do rochedo com o mar. Vamos marcar uma nova audiência. Quero fazer um apelo aos Ministérios Públicos para que cheguemos a um acordo.

As confusões envolvendo as obras se arrastam há anos e envolvem denúncias de superfaturamento e fraude na licitação. Em julho de 2013, após a publicação de uma reportagem na revista “Época” mostrar que o resultado da concorrência já era conhecido antes mesmo da abertura dos envelopes, o então secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, cancelou o processo.

A licença prévia (LP) para as obras, concedida pelo Inea em maio daquele ano, acabou sendo suspensa. Em fevereiro de 2014, com Indio da Costa à frente do órgão ambiental estadual, a Procuradoria-Geral do Estado do Rio autorizou a revalidação do resultado da primeira licitação, vencida por um consórcio formado pelas empresas Queiroz Galvão, OAS e Andrade Gutierrez. De lá para cá, nada avançou.

'UTR'S SÃO ENGANAÇÃO', DIZ PREFEITO

A crise econômica comprometeu outras melhorias complementares previstas para a região. Incluída no Dossiê de Candidatura Rio 2016 como parte do plano de recuperação da Baixada de Jacarepaguá, a construção de Unidades de Tratamento de Rios (UTRs), estruturas que reduzem o esgoto nas águas que desembocam nas lagoas, foi abandonada de vez. A prefeitura seria a responsável por financiar essas obras.

O prefeito Eduardo Paes joga uma pá de cal na ideia, que acabou excluída da lista de compromissos para Olimpíadas.

— UTRs são uma enganação — sentencia o prefeito. — Pode ser útil se você tiver um sistema de esgoto funcionando adequadamente, o que não acontece ali. No caso das lagoas, a construção de UTRs apenas adiaria a solução para o problema do tratamento de esgoto. Não dá para botar essas estações funcionando e fingir que a água está limpa. Além disso, há somente uma empresa capacitada a construir UTRs no país, a um alto custo. Eu teria que dispensar licitação. Não vou fazer.

Sobre a dragagem, Paes minimizou o fato de o serviço não estar concluído até os Jogos do ano que vem:

— A dragagem não é um problema para as Olimpíadas. Se não terminar, ninguém vai morrer. Não faz a menor diferença.

Atualmente, das quatro UTRs previstas, apenas uma funciona, na foz do Rio Arroio Fundo. O custo de operação e manutenção é de R$ 8,8 milhões por ano. A unidade custou R$ 26 milhões, em 2007, antes dos Jogos Pan-Americanos, e tem capacidade de tratamento de 1.800 litros por segundo.

Paes defende que se faça na Baixada de Jacarepaguá uma Parceria Público-Privada (PPP) com o objetivo de conceder o serviço de esgoto a um consórcio, num modelo semelhante ao aplicado em parte da Zona Oeste.

— A Cedae cumpria sua função com a água. O que não dá é para ficar caindo esgoto nos rios — diz o prefeito.

Na avaliação do professor da Coppe/UFRJ Paulo Rosman, especialista em recursos hídricos, o imbróglio sobre o futuro das lagoas da região serve como tentativa de esconder um fato: falta dinheiro para a realização das obras.

— Dá para fazer muita coisa em um ano e dois meses. A questão é falta de dinheiro. A melhora da circulação das águas na região é muito importante para a cidade, seria um enorme ganho. Fazer UTR é o equivalente a jogar a bagunça de casa no armário quando a visita vem. Passaremos vergonha nas Olimpíadas — afirma Rosman.

Medições feitas este ano pelo Inea mostram que índices de coliformes fecais chegam a estar mil vezes acima do limite considerado aceitável. Enquanto as melhorias ambientais não chegam, a sujeira das lagoas assusta antigos conhecedores de suas águas, como Denildo da Silva, de 52 anos, que passou de pescador a catador de lixo:

— Quando vejo as lagoas assim, dá vontade de chorar. Mas ainda há esperança, acredito na recuperação.

Postar um comentário

0Comentários

Please Select Embedded Mode To show the Comment System.*

#buttons=(Ok, vamos lá!) #days=(20)

Nosso site usa cookies para melhorar sua experiência. Check Now
Ok, Go it!