O aquecimento climático ameaça as geleiras do Himalaia

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Se nada for feito para deter o efeito-estufa, elas poderiam desaparecer entre 2050 e 2070, gerando enormes catástrofes

Julien Bouissou – Le Monde
Correspondente em Nova Déli, Índia


O aquecimento climático está acelerando o derretimento das geleiras do Himalaia. Quarenta e nove postos de observação do clima, espalhados pela cadeia montanhosa, registraram desde meados dos anos 1970 um aumento da temperatura média de 1,2 ºC, ou seja, o dobro do aumento que havia sido registrado anteriormente, ao longo de um período equivalente, nesta latitude.

As geleiras que encobrem o Himalaia, numa superfície de 32.000 quilômetros quadrados, são as vítimas principais do aquecimento. Todas elas estão no processo de desaparecer, cada uma seguindo o seu próprio ritmo. A geleira Gangotri, um local de peregrinação hindu, cuja extensão é de 26 quilômetros, e que alimenta o Ganges, está diminuindo de 23 metros por ano. Aquela de Bara Shigri, uma das geleiras as mais importantes da Índia, está recuando de 36 metros por ano.

Os cientistas encontraram evidências deste fenômeno utilizando fotografias feitas por satélites. Efetuadas pela organização indiana de pesquisa espacial, essas fotos mostram uma diminuição das geleiras numa proporção de 21% nas bacias de Chenab, de Parbati e de Baspa, ao norte do Himachal Pradesh. "As geleiras de menos de 1 quilômetro quadrado, que sofreram até agora uma diminuição média de 38%, são as mais vulneráveis, enquanto as grandes geleiras estão se fragmentando em diferentes pedaços", explica Anil Kulkarni, um especialista encarregado do projeto na organização indiana de pesquisa espacial.

O aquecimento das temperaturas não se limita apenas a provocar o derretimento das geleiras. Ele encurta os períodos durante os quais estas últimas se formam. "Por causa da ocorrência cada vez mais tardia do inverno, os flocos de neve não mais dispõem do tempo necessário para se transformarem em gelo", explica Syed Iqbal Hasnain, um especialista indiano em gelologia. "Além disso, durante as monções, as precipitações que nós registramos não são mais de neve, e sim de chuva, numa determinada altitude", prossegue.

"No decorrer de uma primeira etapa, o derretimento vai aumentar a vazão dos rios", explica Rajesh Kumar, do Instituto tecnológico Birla, em Jaipur. Este cientista indiano estudou, em parceria com uma equipe britânica do Centro de ecologia e da hidrologia, as repercussões do derretimento das geleiras sobre os rios Ganges, Brahmaputra e Indus. As vazões desses rios alcançarão um pico entre 2050 e 2070, provocando enchentes que devastarão as culturas e as habitações nas suas ribanceiras. O relevo dos vales baixos do Himalaia também será atingido, por causa de grandes desmoronamentos de terreno.

Uma vez que as geleiras tiverem derretido, o Ganges, o Brahmaputra e o Indus não serão mais alimentados. Ora, 80% dos recursos em água do Ganges, por exemplo, provêm do derretimento das geleiras. Num relatório que foi publicado em 6 de abril, o Grupo Internacional de Especialistas para o Estudo do Clima (Giec) emitiu a hipótese segundo a qual os rios indianos poderiam ficar cheios apenas durante uma determinada temporada do ano. Secos durante o inverno, eles seriam tomados pelas águas somente durante as monções, no verão.

A queda do nível das águas dos rios poderia ter conseqüências desastrosas para os habitantes das planícies do norte da Índia. A irrigação, a produção de energia hidrelétrica e os recursos de água potável seriam duramente atingidos. O WWF (sigla em inglês para Fundo Mundial para a Natureza) já está se preparando para uma tal eventualidade.

"Em breve, nós iremos experimentar programas em duas aldeias situadas à beira do Ganges, com o objetivo de ajudar os camponeses a adaptarem os seus métodos de cultura, em caso de enchente seguida por uma queda abrupta do nível da água do rio", explica Prakash Rao, um pesquisador encarregado do programa de luta contra o aquecimento climático. A queda de nível do rio Ganges poderia vitimar cerca de 40 milhões de pessoas que vivem nos seus arredores até Nova Déli, isso porque este rio sagrado alimenta a capital indiana através de canais.

Para substituir as geleiras naturais que se encontram em processo de desaparecimento, um engenheiro começou a construir geleiras artificiais nos planaltos os mais elevados do Ladakh, desviando as águas dos rios. A água desviada é armazenada em reservatórios construídos no flanco da montanha, a mais de 4.000 metros de altitude.

"Mas, será que o trabalho do homem pode mesmo substituir o da natureza?", se pergunta Syed Iqbal Hasnain, com certo ceticismo. "Se não houver uma redução sensível das emissões de gases geradores do efeito-estufa, nós estaremos caminhando de modo irresistível rumo à catástrofe", prossegue, "e vale acrescentar que o subcontinente indiano é diretamente responsável por esta situação, pois sabemos que as geleiras do Himalaia são particularmente sensíveis aos gases geradores do efeito-estufa emitidos na região".

Em 16 de maio, vários ministros do governo indiano se reuniram para elaborar uma estratégia de luta contra o aquecimento climático. "Aquela foi mais uma reunião, não mais, já que não houve decisão alguma e que nós seguimos sem nenhuma medida no curto ou médio prazo", conclui, com amargura, Syed Iqbal Hasnain.

Os três grandes rios indianos

O Ganges: com 2.510 quilômetros de comprimento, ele tem a sua fonte situada na geleira de Gangotri, a 7.756 metros de altitude, no Himalaia, e desemboca na baia do Bengala, no Bangladesh. Ele permite a subsistência de mais de 400 milhões de habitantes, dos quais a maioria vive em função da agricultura.

O Brahmaputra: com 2.900 quilômetros de comprimento, ele tem a sua fonte nos maciços himalaianos do Tibet, e então atravessa a Índia para desembocar no delta do Ganges, no Bangladesh.

O Indus: com extensão de 3.200 quilômetros, ele tem a sua fonte no Tibet, atravessa a Índia e desemboca no mar de Arábia, em Karachi, no Paquistão. Fonte principal de água potável no Paquistão, ele irriga as planícies agrícolas do Pendjab, ao norte da Índia.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

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