Tartarugas raras encontradas no Camboja

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Santuário que floresceu durante a guerra é ameaçado pela paz

Seth Mydans – Herald Tribune
Em Sambor, Camboja

Com a autoconfiança de dezenas de milhões de anos de instinto, 12 minúsculas tartarugas correram pela margem lamacenta do rio Mekong, na semana passada, mergulharam na água e desapareceram com um ziguezague sob a areia. Foi um momento de alívio para aquele que as soltou, David Emmett, do Conservation International, que as manteve em casa em pequenas banheiras de plástico desde que saíram dos ovos, duas semanas antes. "Não teria sido bom ter um monte de tartarugas ameaçadas de extinção morrendo no meu banheiro", disse ele.

Agora elas estão por conta própria, carregando as esperanças de cientistas que tentam preservar um dos últimos trechos prístinos do rio Mekong. Conhecidas como tartarugas cara de perereca, por seus olhares estranhamente vazios, os filhotes são membros da espécie ameaçada das tartarugas gigantes de Cantor, de casco mole, que recentemente foi redescoberta aqui no nordeste remoto do Camboja.

O encolhimento de seu habitat para este pequeno refúgio, como os números decrescentes do bagre gigante do Mekong e dos golfinhos Irrawaddy, é um sinal que a ecologia complexa do rio está se desgastando rapidamente. "A área em que estamos trabalhando é a melhor de todo o rio, todo ele, da China até o fim", disse J.F. Maxwell, que fiscalizou o Mekong inferior. "A China está toda destruída."

Até recentemente, uma guerra protegia as tartarugas, e a paz as ameaça agora. Por décadas, esse trecho de 50 km de rio era um refúgio de guerrilheiros armados do Khmer Vermelho, o que restou do regime que custou a vida de 1,7 milhões de pessoas de 1975 a 1979.

Como terra de ninguém, oferecia um porto seguro para plantas e animais raros, que foram vítimas do desenvolvimento em locais mais seguros da região. "É uma emergência preservar este lugar porque, se for destruído, não haverá nada para substituí-lo", disse Maxwell, curador do Chiang Mai Herbarium, em Chiang Mai, Tailândia.

"Eles tiveram sua guerra, mataram seu povo, e a segunda geração está vindo agora", disse dos cambojanos. "Os barcos a motor estão subindo o rio, as pessoas estão entrando, e ninguém está controlando isso."

No curso natural das coisas, dois ou três dos filhotes de tartarugas liberados sobreviverão, tornar-se-ão gigantes do tamanho de um sofá e viverão por até um século, quase sempre enterrados na areia, disse Emmett. Ou morrerão vítimas da pesca abusiva, da poluição e da degradação ambiental, levando a espécie para mais perto do fim. "Essas coisas sobreviveram a eventos de extinção que apagaram os dinossauros, e agora nós vamos acabar com elas", disse Emmett, biólogo de vida selvagem com base no Camboja. "Veja, não podemos deixá-las se extinguirem agora."

A maior e menos estudada tartaruga de água doce do mundo, a tartaruga Cantor (Pelochelys cantorii), parece já ter desaparecido dos vizinhos Vietnã, Tailândia e Laos. Foi vista pela última vez no Camboja em 2003, e ninguém sabia até agora se haviam sobrevivido.

Em março, uma equipe que incluiu o Conservation International, o governo cambojano e o World Wide Fund for Nature (WWF) fez a primeira pesquisa na área desde que se tornou segura, no final dos anos 90, e encontrou a farta diversidade de um ecossistema completo. "A existência de uma área tão grande de habitat natural em torno do Mekong é quase impensável", escreveu R.J. Timmons, especialista em pássaros e mamíferos, em um relatório da WWF.

Ele pediu a criação de um santuário nesse trecho do rio, e a WWF disse que pescadores locais seriam contratados como monitores e receberiam compensação regular pela redução da pesca.

Para a surpresa de todos, jovens pesquisadores, a Equipe Cambojana de Conservação da Tartaruga, usando uma armadilha inventada por eles mesmos, imediatamente capturaram e liberaram uma tartaruga de 11 kg, em março.

Pouco depois, capturaram uma fêmea de 3 kg que Emmett estudou por um mês em sua casa em Phnom Penh, antes de liberá-la na semana passada com a dúzia de filhotes. Os pesquisadores também deram a ele os ovos que ele manteve em seu banheiro.

O que ele observou foi uma tartaruga muito peculiar.

Sem o casco para protegê-la, a tartaruga passa mais de 95% de sua vida quase sem se mexer, debaixo da areia, saindo duas vezes por dia para tomar uma longa e única inspiração. Ela emerge uma vez por ano para colocar seus ovos pequenos e redondos nas margens do rio.

Como uma das espécies mais antigas do mundo, o segredo da longevidade que oferece é sentar-se em um lugar, preferivelmente sob uma camada de areia, e não fazer nada. "É um estilo de vida muito monótono, realmente", disse Emmett. Mas quando se move, tem a velocidade de um raio em vez da calma das outras tartarugas.

Quando seus olhos minúsculos, que protraem do topo de sua cabeça entre os grãos de areia, vêem um camarão, um peixe ou caranguejo, a tartaruga lança seu pescoço como um camaleão lança sua língua. "Ela ataca mais rápido do que uma cobra", disse Emmett. "Vi cobras dando o bote, e facilmente tem a mesma velocidade. E tem a mordida mais dura de qualquer animal conhecido do homem."

Sua longevidade mostra o sucesso da adaptação da tartaruga ao seu ambiente, disse Emmett. Mas o ambiente hoje, cheio de predadores humanos, apresenta um desafio de uma nova sorte.

Enquanto Emmett soltava suas tartarugas nas margens do rio marrom, um pescador vagava puxando sua rede ali perto, observando.

A história moderna do rio Mekong, com seus pescadores e fábricas, poluentes e represas, não oferece muita esperança aos conservacionistas, disse Maxwell. "Quando nós nos reunimos, é a mesma história", disse sobre os especialistas em ecologia. "Falo das plantas, outros falam de peixes, outros de aves e anfíbios. É a mesma história. As coisas estão descendo pelo ralo. Tudo está indo."

Tradução: Deborah Weinberg

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