Técnica gera célula-tronco sem embrião

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Grupos no Japão e nos EUA reprogramaram células adultas da pele humana para agirem como se fossem embrionárias

Estratégia desenvolvida por japonês pode eliminar o dilema ético em torno da clonagem terapêutica, que demanda destruir embriões


GIOVANA GIRARDI

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Duas equipes independentes de cientistas deram um salto nas pesquisas com célula-tronco ao conseguirem fazer com que células humanas adultas da pele "voltassem no tempo" e passassem a agir como se fossem as versáteis células-tronco embrionárias, conseguindo posteriormente se diferenciar em outros tecidos do corpo.

A técnica surge com a promessa de que talvez, no futuro, possa substituir o uso das polêmicas células-tronco embrionárias. As CTEs são hoje as queridinhas dos pesquisadores por conta de seu potencial terapêutico. Como elas têm a capacidade de se transformar em qualquer outro tecido do organismo, podem, em tese, ser usadas para o tratamento de doenças degenerativas, como diabetes e mal de Parkinson.

O problema é que, para obtê-las, é necessário destruir embriões, fato que enfrenta a resistência de grupos religiosos. Com o novo trabalho, a Casa Branca parabenizou os cientistas por resolverem problemas médicos "sem comprometer os elevados objetivos da ciência e o sagrada da vida humana".

Cientistas do Japão e dos EUA pegaram células da pele humana (fibroblastos) e induziram nelas a tão desejada pluripotência (versatilidade) da CTEs. Após essa reprogramação, elas não só assumiram uma aparência de CTEs como também um funcionamento semelhante ao delas, chegando a se diferenciar em neurônios e células cardíacas.

"Estamos agora em posição de gerar células-tronco específicas para pacientes e doenças sem usar embriões", declarou Shinya Yamanaka, autor de um dos estudos, em comunicado. "Com essas células, poderemos compreender mecanismos de doenças, procurar por drogas eficientes e seguras e tratar pacientes com terapia celular."

O feito tinha sido obtido pela primeira vez em meados de 2006, com células de camundongo, pela equipe de Yamanaka, da Universidade de Kyoto. Desde então, cientistas de todo o mundo vinham tentando replicá-lo em humanos. Agora, os grupos do japonês e do americano James Thomson, da Universidade de Wisconsin em Madison, conseguiram. Os trabalhos foram publicados on-line nos periódicos "Cell" (www.cell.com) e "Science" (www.sciencexpress.org).

Regulação

As duas equipes trabalharam com a introdução nos fibroblastos de quatro genes ligados à manutenção da capacidade das células-tronco embrionárias. Quando um organismo está se formando, esses genes estão ativos nas CTEs e fazem com que elas se diferenciem nas demais células do corpo. No momento em que a célula atinge sua especialização, no entanto, eles são desativados.

O pesquisadores usaram retrovírus, parentes do vírus da Aids, para introduzir esses genes nos fibroblastos de modo que eles se reativassem e as células retomassem a versatilidade (veja quadro à direita). A diferença entre os dois estudos foram os genes usados. O grupo de Yamanaka trabalhou com Oct3/4, Sox2, Klf4 e c-Myc. O de Thomson trocou os últimos dois por Nanog e Lin28.

Fim da clonagem?

O achado pode jogar uma pá de cal nas busca da chamada clonagem terapêutica. Ainda na semana passada, um dos pioneiros dos estudos com clones, o escocês Ian Wilmut, "pai" da ovelha Dolly, se antecipou ao lançamento dos trabalhos ao dizer que desistia de tentar clonar um ser humano para obter células-tronco.

Ele disse na ocasião que sua decisão era baseada no sucesso que Yamanaka tivera anteriormente com camundongos. Ontem ele só complementou sua decisão: "Nós podemos agora visualizar um tempo em que uma simples técnica poderá ser usada para produzir células-tronco que serão capazes de formar qualquer tecido a partir de uma pequena amostra de qualquer um de nós."

Robert Lanza, da companhia Advanced Cell Technology, que vinha tentando clonar embriões, comparou: "Este trabalho representa um tremendo marco científico, o equivalente biológico do primeiro avião dos irmãos Wright", disse. "É um pouco como aprender como transformar chumbo em ouro."

Em entrevista coletiva, ontem, a equipe de Thomson também se manifestou nesse sentido. Quando questionada sobre se ainda fazia sentido falar em clonagem terapêutica, Jennifer Frane, também de Wisconsin, respondeu: "Bem, eu diria que não". Ao que foi amparada por Thomson: "A transferência de núcleo celular é um bom experimento, mas nós ainda somos ineficientes, ele é caro, é difícil de fazer e é provável que nunca aproveitemos as aplicações. Então não imagino que ele dure por muito tempo".

Mas, apesar de a nova técnica ser "eticamente descomplicada", como definiu Douglas Melton, co-diretor do Instituto de Células-Tronco da Universidade Harvard, ela ainda não deve substituir os estudos com as células-tronco embrionárias.

"Ainda temos muito a aprender com as células-tronco embrionárias. E só pesquisando seu funcionamento podemos fazer com que uma célula adulta imite seu comportamento", ressaltou a pesquisadora Lygia da Veiga Pereira, da USP. "Veja que os próprios autores só chegaram a esses resultados graças às CTEs e precisarão delas para várias outras análises, inclusive para eliminar o vírus como tecnologia para a reprogramação, o que impede que isso seja usado para a terapia com seres humanos", complementou Stevens Rehen, da UFRJ.

Com agências internacionais

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