Contra o “boi pirata”

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Embrapa revela crescimento “assustador” da pecuária na Amazônia. Ministério do Meio Ambiente diz que parte do rebanho ocupa áreas de derrubadas ilegais e estuda duro pacote de medidas para criadores

Leonel Rocha


``O que está acontecendo é uma rapina. Mais de 70% dos desmatamentos foram para a formação de pastos para a pecuária`` (Marina Silva, ministra do Meio Ambiente)

Um dia depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter afirmado que não se poderia “culpar ninguém” pelo crescimento do desmatamento na Amazônia no último semestre do ano passado, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e os principais assessores da área apontaram a pecuária extensiva como a grande vilã das derrubadas. Técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão responsável pela fiscalização das florestas, estudam a adoção de medidas duras pelo governo para impedir a comercialização do que eles chamam de “boi pirata”, o animal criado nas fazendas formadas em áreas de desmate ilegal. “O que está acontecendo é uma rapina. Mais de 70% dos desmatamentos foram para a formação de pastos para a pecuária”, disse Marina.

Dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) utilizados pelos assessores do Ministério do Meio Ambiente mostram que a criação de gado na Amazônia registrou um crescimento muito acima das demais regiões do país nos últimos anos. Entre 1995 e 2005 o percentual do rebanho bovino criado na Amazônia cresceu de pouco mais de 20% para cerca de 37% do total de cabeças do país. As maiores taxas foram registradas no Mato Grosso, no Pará e em Rondônia, onde ocorreram as mais extensas derrubadas de florestas.

No Centro-Oeste, região onde desde 1990 pasta o maior rebanho brasileiro, o número de cabeças também cresceu e hoje está em segundo lugar em exemplares, perdendo apenas para a Amazônia Legal. Nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste, o rebanho encolheu.

Idéias polêmicas

Para tentar manter sob controle as taxas de desmatamento, os assessores de Marina Silva já sugeriram à ministra a suspensão de financiamentos de bancos oficiais à pecuária. Os créditos para custeio e investimento do setor passariam a ser exceções. Além disso, estuda-se a adoção de embargos de fazendas localizadas em áreas de corte ilegal da floresta e bloqueio na comercialização de carnes produzidas em regiões de derrubada clandestina. Segundo os técnicos, os frigoríficos que colaborarem com a fiscalização não serão responsabilizados pela carne sem origem identificada. Outra idéia em estudo é informar aos maiores exportadores brasileiros uma lista de pecuaristas instalados ilegalmente em áreas embargadas.

Além disso, os técnicos do Ibama estão sugerindo o monitoramento da origem das carnes compradas pelos maiores supermercados. “Vamos responsabilizar todos os envolvidos na cadeia de produção ilegal de carne”, avisou o diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro, Tasso Azevedo. A intenção é fechar uma parceria com as maiores redes de supermercados para que elas também exijam do fornecedor uma espécie de certificado de origem da carne bovina que revendem. Azevedo também sugere que o governo exija de todos os pecuaristas a implantação de plano de manejo nas fazendas.

Crise anunciada

Além das medidas repressivas de curto prazo, o Ministério do Meio Ambiente também estuda mudanças na lei que cria os critérios para o cálculo do índice de produtividade das fazendas de gado.

Pela legislação atual, fazenda produtiva é a que tem um boi por hectare, em média. A idéia é aumentar o número de cabeças para três por hectare. Segundo Tasso Azevedo, essa mudança reduziria a um terço a necessidade de área para a produção de carne, acabando com a pressão por novos pastos. As medidas para reprimir o desmate ilegal e o controle da produção de carne bovina podem ser tomadas tendo como base o decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para conter a devastação da Floresta Amazônica, acreditam os ambientalistas.

O maior problema será conseguir dobrar o Ministério da Agricultura e a bancada ruralista no Congresso sobre a necessidade dessas medidas, quase todas fora da alçada do Ministério do Meio Ambiente — principalmente depois que o próprio presidente da República deu declarações amenizando as primeiras acusações da área ambiental do governo contra produtores de soja e pecuaristas. O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, não quis se pronunciar sobre as informações divulgadas por Marina.

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