Desmatamento: o que fez Marina Silva?

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Pedro do Couto

No decorrer do ano passado, levantamentos preliminares do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais que enfim vieram a público apontaram um desmatamento ilegal na Amazônia da ordem de 7 mil quilômetros quadrados, dos quais 3,2 mil no período agosto-dezembro. Um absurdo. Como pode acontecer um desastre ecológico continuado desses, sem que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, tivesse conhecimento?

Difícil explicar o fenômeno, o próprio silêncio, já que, segundo reportagem de Bernardo Mello Franco, "O Globo" de 24/01, o processo crítico envolveu seis estados: Acre, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Os dados contidos na matéria publicada são bastante precisos e falam por si. Metade da derrubada de árvores ocorreu em Mato Grosso. Onde estavam os governadores? Onde estavam os prefeitos, já que o corte efetuou-se em nada menos que 36 municípios.

A área desmatada compreende seis vezes a capital de São Paulo, a maior cidade do País. Uma vergonha nacional.

E os sintomas indicam que tal devastação não ocorreu de repente. Nem poderia. Uma devastação de 7 mil quilômetros quadrados exige uma logística complexa. São necessárias motosserras em grande número, trabalhadores, caminhões, compradores de madeira, portanto, vendedores do que não lhes pertenciam, depósitos bancários e, além de tudo, o atentado inclui a inevitável sonegação fiscal.

Claro. Pois se o desmatamento é ilegal e do que é ilegal - princípio básico de direito - não pode resultar efeito legítimo, as transações não incluem faturas e recibos. O produto das vendas nunca esteve exposto nem ao ICMS, tampouco ao Imposto de Renda. Portanto está tudo errado. Uma seqüência absurda de crimes. Com a divulgação do problema de grandes dimensões, o presidente Lula convocou reunião ministerial.

Nela, a ministra Marina Silva responsabilizou o titular da Agricultura, Reinhold Stephanes, que teria concedido licenças para a realização de transações agropecuárias na região. O ministro nega.

Marina Silva referiu-se às exportações de soja e de carne. Mas, francamente, o que tem isso a ver com a questão? O problema essencial é o desmatamento.

Se ela tomou conhecimento do que acontecia, deveria imediatamente ter se dirigido ao presidente da República para informá-lo com precisão e a ele pedir providências. Mas não o fez. Culpou, além do Ministério da Agricultura, a estiagem prolongada no último ano e a subida dos preços das commodities, exportações vinculadas ao esquema do agronegócio. E daí?

Todas as coisas a que se referiu podem até ser verdadeiras, porém não explicam a omissão de um ministério que é ou deveria ser do meio ambiente. Assim, se o meio ambiente foi atacado, a pasta encarregada de defendê-lo deveria ter reagido prontamente. Não reagiu. Só se posicionou depois do fato consumado. O ano de 2007 não pode ter sido um exemplo isolado no desmatamento. Este processo, inclusive, já fora alvo de reportagens publicadas na imprensa. Dentro e fora do País. O sistema de fiscalização é precário? Certamente é.

Mas a titular da pasta tinha obrigação de alertar o governo. Há corrupção no aparelho fiscal?

Outra razão para denúncia. Neste ponto, sobretudo, é que a visão do administrador público difere do comportamento dos empresários privados. O objetivo da administração estatal não é o lucro financeiro.

Não poderia ser, acrescente-se. Os compromissos do governo são com a população e a defesa do patrimônio coletivo.

O Palácio do Planalto anunciou diversas medidas punitivas e restritivas contra os empresários envolvidos. Multa, impedimento de crédito, e por aí vai. Não funciona. A punição sozinha não resolve. O que resolve é a prevenção. Esta não se realizou. Inclusive vale acentuar que não há punição capaz de reparar as perdas causadas. Elas atingiram o patrimônio nacional. Já que empresa alguma reclamou da devastação.

Logo as árvores mortas, retalhadas, são estatais. Caso contrário, a confusão teria sido mil vezes maior. Afinal de contas, alguém já disse em tom de humor que o bolso talvez seja o órgão mais sensível do corpo humano. Se não for do corpo, será seguramente o ponto mais sensível do comportamento humano. Mas quando se trata de patrimônio público, de bens do estado, a nitidez desaparece do horizonte próximo. O que sucedeu na Amazônia é sem dúvida impressionante. Vem ocorrendo há vários anos.

Agora, a ministra Marina Silva fala em recorrer ao Sivam, Sistema de Vigilância da Amazônia, além do Inpe. Devia ter recorrido há mais tempo. Onde estava o serviço de informação do Ministério do Meio Ambiente? Onde estava o Ibama? Afinal, um processo de devastação atinge em cheio a ecologia como um todo. Atinge o próprio ecossistema. Atinge a floresta, reduz o oxigênio, aumenta o roubo. Punir os responsáveis, apenas, não basta. É fundamental que do episódio surja uma rede de proteção para impedir que os atentados se repitam em série, já que assim se verificaram.

O desastre ecológico continuado - é evidente - exige providências concretas. Culpar os autores não resolve o que aconteceu e não soluciona o desafio administrativo. É indispensável evitar a repetição dos assaltos às florestas. É indispensável acabar com a omissão, que tem origem no distanciamento da realidade

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