A política nuclear do governo é um equívoco

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Ricardo Neves

A construção da usina nuclear Angra 3 deverá ser retomada no dia 1º de setembro, e a obra poderá estar pronta em quatro anos, informou o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Os planos do governo consideram ainda a construção de mais três usinas térmicas movidas a energia nuclear. A administração Lula, para alcançar essa meta, está formando um comitê coordenado pela Casa Civil da Presidência da República. A licença para as obras de Angra 3 serão concedidas em 15 dias pelo Ibama.

Essa política energética é um equívoco. O governo Lula responde mais aos interesses do lobby nuclear que aos interesses genuinamente públicos. Esse lobby reúne empresas diversas, interessadas em controversas megaobras financiadas pelos contribuintes e que, nos últimos 50 anos, custaram subsídios governamentais incalculáveis mundo afora. O lobby nuclear é irmão bastardo da indústria petrolífera e tenta aproveitar a crise que se prenuncia, no momento em que o preço do petróleo vai apontando para a marca dos US$ 200 por barril. Ele busca se apresentar como alternativa de sustentabilidade ambiental para enfrentar o aquecimento global. Empresas nucleares de países como a França, onde mais de 70% da energia elétrica é originada de usinas nucleares, já esfregam as mãos e falam em renascença nuclear.

Há, hoje, 440 usinas nucleares em 30 países. Mais da metade estará com o prazo de validade vencido nos próximos 15 anos. Alguns países já estão comprometidos em zerar sua dependência nos reatores. Alegam que a energia nuclear é suja, das minas de urânio ao destino dos rejeitos radioativos. E que os riscos não compensam lidar com essa opção. Isso ficou claro nos eventos que se seguiram à madrugada do dia 26 de abril de 1986, quando, exatamente à 1 hora e 23 minutos, na Ucrânia, explodiu o reator número 4 da usina nuclear de Chernobyl.

Nos dez dias seguintes, uma radioatividade equivalente a 400 bombas como a jogada sobre Hiroshima se espalhou como uma nuvem, detectada até mesmo do outro lado do Atlântico. Meus amigos na Alemanha, de onde escrevo esta coluna, explicam como o contador Geiger (que mede radioatividade) passou a ser um instrumento de uso cotidiano nos meses seguintes para medir a intensidade de radiação até mesmo no leite que os bebês tomavam. Ainda no ano de 2006, relatórios das Nações Unidas sustentam que os níveis de césio 137, um dos elementos radioativos resultantes da explosão de Chernobyl, deverão permanecer altos na Europa por décadas. Durante esse período, em partes da Alemanha, Áustria, Itália, Suécia, Finlândia e Polônia, cogumelos, cerejas e peixes de alguns lagos estarão em níveis radioativos acima do que é seguro para o consumo humano.

O lobby nuclear está interessado em megaobras financiadas pelo contribuinte Chernobyl foi o mais grave acidente ambiental da História humana. Só não foi pior pela pronta ação de 220 mil soldados do Exército Vermelho, mobilizados para diminuir a expansão da radiação. A conta total do número de mortos em conseqüência do acidente jamais será conhecida. A radiação mata lentamente, na maioria das vezes provocando casos de câncer. Vinte anos após o acidente, segundo o jornal inglês The Guardian, a Academia Russa de Ciências Médicas declarou que 212 mil pessoas devem ter morrido como conseqüência do acidente. O Greenpeace considera que 52 cientistas morreram na hora e que entre 93 e 100 mil casos de câncer fatal foram resultado de Chernobyl. Membros do Parlamento Europeu estimam as mortes em torno de 60 mil.

As preocupações com a segurança e o risco financeiro ainda pesam sobre a indústria nuclear. Nos últimos anos, a energia atômica foi a que menos cresceu no mundo, segundo um levantamento do Instituto Worldwatch. A capacidade instalada dos reatores aumentou um décimo da capacidade dos novos campos de energia eólica (dos ventos) instalados pelo planeta. A Alemanha que vendeu a energia nuclear como a grande solução energética ao Brasil dos generais nos anos 70 mudou. Aquele país é hoje líder na transição para energias renováveis. A era do combustível fóssil e da energia nuclear entrará em declínio na medida em que vai se acelerar rapidamente o aproveitamento da energia solar, dos ventos, geotérmica, biocombustível, modalidades nas quais a Alemanha já é líder mundial em produção e consumo. Espera-se que o governo Lula entenda isso e não incorra no mesmo erro dos generais 30 anos atrás.

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