Quadrilhas usam táticas de tráfico de drogas para vender palmito ilegal em SP

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Produto clandestino sai, em média, pela metade do preço do legalizado.

Esquema começa com a compra de potes de vidro que já foram usados.


Com informações do Fantástico

Quadrilhas usam táticas do tráfico de drogas para controlar a extração e o comércio de palmito na Mata Atlântica de São Paulo, área de preservação ambiental. O palmito clandestino, produzido sem preocupações com a higiene, é vendido em média pela metade do preço do legalizado.

O Fantástico acompanhou uma blitz da Polícia Ambiental no Parque Ecológico de Sete Barras, no Vale do Ribeira, em São Paulo. Perto de um córrego, sons de tiros são ouvidos. Ninguém se feriu e, com cautela, os policias seguiram para o lugar de onde partiu o disparo. Encontraram apenas um acampamento abandonado às pressas. “Eles agem em bando. Meia dúzia, dez, 12 pessoas”, diz um policial.

Segundo a polícia, grupos assim estão espalhados pelas reservas ambientais do Vale do Ribeira, uma área de cerca de 3 mil km², entre São Paulo e Paraná. O alvo dos criminosos são as palmeiras, uma espécie nativa da Mata Atlântica ameaçada de extinção. “A grande maioria dessas pessoas que se envolvem com a exploração clandestina do palmito tem antecedentes criminais”, afirma Milton Nomura, tenente-coronel da Polícia Ambiental. Do caule, as quadrilhas extraem o palmito juçara, considerado o mais saboroso de todos. Quem pratica esse crime ambiental pode ficar até cinco anos na cadeia. Todo mundo sabe, pouca gente respeita, admite um morador da região que produz o palmito clandestinamente. “Aqui, 99% das pessoas mexem com isso”, diz.

Sujeira

O esquema começa com a compra de potes de vidro que já foram usados e serão reaproveitados. A maioria está no meio da sujeira, em depósitos de lixo. “O pessoal costuma usar para palmito mesmo. Ninguém reclama”, conta uma vendedora dos potes.

Em uma casa em Juquiá, a 159 km de São Paulo, foram encontrados potes dentro de uma bacia com água suja. Assim o rótulo sai facilmente, explicou a mulher de um palmiteiro. “O vidro é lavado com detergente por dentro”, conta ela. Nas chamadas “fabriquetas”, o palmito extraído ilegalmente é preparado. A polícia ambiental destruiu o local, onde foram encontrados vidros que eles reaproveitam para colocar o palmito.

As quadrilhas fazem longas viagens pelo interior da floresta. Em vários pontos das reservas ambientais, só se chega de barco. O principal meio de transporte dos palmiteiros, no entanto, é o cavalo. No lombo dos animais, é possível encontrar embalagens contendo carne, carne seca e ração para o animal comer. Às vezes a trilha é de 8 a 10 horas de caminhada.

Na blitz, a polícia apreendeu espingardas e munição. Vários acampamentos foram derrubados, mas nenhum integrantes das quadrilhas foi preso. “Um dos nossos policiais ainda teve um contato visual, mas você pôde reparar na vegetação, como ela é densa. É muito fácil você se esconder e fugir”, disse um policial.

Em um dos casos, na pressa, os criminosos largaram o palmito juçara ainda cozinhando, dentro dos vidros. O produto é preparado sem as mínimas condições de higiene. “Após o cozimento, ele já é levado para algum barco e destinado ao consumo das pessoas”, alertou um policial.

O que também dificulta a prisão em flagrante, segundo a polícia, são os chamados olheiros. Eles ficam espalhados na mata e dão o alerta. Existem olheiros que andam com radiocomunicadores - uma estratégia comum entre traficantes de drogas. A polícia interceptou várias conversas dos palmiteiros sobre uma possível apreensão.

Um guarda florestal, que tem medo de se identificar, foi ferido num ataque de palmiteiros, em maio deste ano. “Eles estão mais organizados porque, no meio desses palmiteiros, tem pessoas grandes no meio”, disse. O palmito clandestino é vendido, em média, pela metade do preço do legalizado. E clientes não faltam, diz o negociador de uma quadrilha. “Saem mais ou menos umas trezentas caixas, de 15 em 15 dias”, afirmou. Isso representa cerca de seis toneladas por mês. Para a venda, eles imprimem rótulos falsos.

Vítima das quadrilhas

O dono de uma empresa legalizada, que distribui palmito em conserva para todo o Brasil, diz que já foi vítima das quadrilhas que agem no Vale do Ribeira. Os criminosos chegaram a falsificar o rótulo com a marca da empresa dele para comercializar o palmito extraído de forma ilegal. “Até devolveram carga de produto nosso achando que nosso palmito era clandestino. Teve um prejuízo grande”, disse.

A fábrica vende palmito pupunha - que sai de plantações legalizadas e não de reservas de Mata Atlântica, como as quadrilhas fazem com o juçara. “Um apelo que a gente faz aqui, que as fábricas idôneas fazem, é você não parar de consumir o palmito. Só que tem que saber a procedência desse palmito”, afirmou.

Por R$ 7,69, é possível comprar em supermercado de Registro, a 188 km de São Paulo, um vidro de palmito. A tampa foi pintada e tem marcas de ferrugem. Quem liga para o número do telefone que consta no rótulo descobre a fraude.

“Há cerca de 7, 8 anos ligam pra minha casa como se fosse atendimento ao consumidor dessa fábrica de palmito”, disse o dono de um canil em Belém do Pará, a mais de 3 mil km do Vale do Ribeira. Ele conta que já ouviu muita reclamação sobre o palmito clandestino.

Apreensão na Régis

Um carregamento de meia tonelada que ia para Taboão da Serra, na Grande São Paulo, foi apreendido na sexta-feira passada na Rodovia Régis Bittencourt, em Registro. A polícia ambiental apreendeu o carro e estipulou o valor da multa em R$ 20 mil. No laboratório, ficou constatado que o produto não seguia os critérios de higiene. A análise apontou até alimento estragado.

Na delegacia, o palmiteiro foi liberado sem pagar nada, mesmo admitindo que já tinha feito duas entregas para o mesmo receptador. “Eu diria para você que alguns restaurantes e algumas pizzarias possam estar fazendo uso desse tipo de produto, porque o consumidor não tem qualquer indicador nessas circunstâncias”, diz o tenente-coronel Milton Nomura.

No ano passado, Luiz Alberto comeu pizza de palmito e teve botulismo. Por causa da intoxicação - que é provocada por uma bactéria e pode até matar - o adolescente ficou dois meses no hospital. As autoridades recomendam que o consumidor preste muita atenção na embalagem e prefira estabelecimentos de credibilidade comprovada.

E, na dúvida, a dica é só comer palmito que tenha sido fervido por pelo menos 15 minutos. “Descaracteriza um pouco aquele palmito bonito que nós conhecemos, mas é a garantia de que não teremos a bactéria no momento de consumir”, diz Maria Cecília Martins Brito, diretora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“Esses grupos estão se articulando para colocar um produto clandestino no mercado e atentar cada vez mais contra a saúde pública do consumidor”, diz Nomura. O promotor do meio ambiente José Roberto Fumach Júnior diz que o Ministério Público pretende localizar e apontar os transportadores desses produtos ilegais.

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