As principais ameaças à qualidade da água no Brasil

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Estudo aponta que tratamento de esgoto deficiente e poluição oriunda da indústria e da agricultura são os maiores problemas. Em sete estados brasileiros, apenas 11% dos rios e mananciais foram classificados como bons.


Deutsch Welle

A falta de tratamento de esgoto e a poluição oriunda da indústria e agricultura são as principais ameaças à qualidade da água no Brasil. Segundo levantamento da ONG SOS Mata Atlântica, a água é ruim ou péssima em 40% dos 96 rios, córregos e lagos avaliados em sete estados brasileiros. A pesquisa, divulgada por ocasião do Dia Mundial da Água (22/03), mostra que a situação é preocupante no bioma da Mata Atlântica, principalmente em áreas urbanizadas.

Apenas 11% dos rios e mananciais foram classificados como bons – todos localizados em áreas de proteção ambiental e de mata ciliar preservada. Em 49% dos rios, a água é regular. A pesquisa foi realizada em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, Santa Cantarina e Rio Grande do Sul.

Segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA), 76% dos corpos d'água apresentam qualidade boa; 6% foram classificados como ruim e apenas 1% como péssimo. Em áreas urbanas, a parcela considerada boa cai para 24%. As águas de qualidade ruim e péssima sobem para 32% e 12%, respectivamente.

Apesar de serem os principais centros de poluição, as cidades grandes possuem maior infraestrutura de saneamento básico, ressalta o professor de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG Marcos von Sperling.

“A cobertura de saneamento das cidades pequenas é normalmente bem inferior às cidades grandes. No Brasil, um quarto dos municípios tem até cinco mil habitantes e são muito frágeis em termos de administração. E é até inviável do ponto de vista financeiro fazer o tratamento e cobrar por ele. São populações com renda familiar muito baixa”, afirma.

Informação

A ANA alerta para a falta de informação sobre a qualidade dos recursos hídricos no Brasil. A agência realiza o diagnóstico a partir de dados das redes estaduais, mas apenas 17 das 27 unidades da federação fazem o monitoramento da água. Outra dificuldade é que não há uma padronização no trabalho de coleta de dados.

Segundo a agência, apenas 658 pontos de análise tiveram uma série histórica longa o suficiente para realização do estudo. Nestes casos, 8% apresentaram tendência de melhoria na qualidade da água e 5%, de piora.

Para diminuir a falta de informação, a agência lançou na quinta-feira (20/03) a Rede Nacional de Monitoramento de Qualidade das Águas, que deve padronizar os dados e procedimentos de coleta. O objetivo é subsidiar a definição de políticas públicas e a gestão dos recursos hídricos.

“A qualidade da água hoje é insuficientemente monitorada. Não temos um retrato do país. São várias as entidades de gestão da água, públicas e privadas, em âmbito federal, estadual e municipal. Estamos nos adaptando a essa imensa fragmentação do sistema brasileiro”, defende Maurrem Vieira, especialista em recursos hídricos da ANA.

Os especialistas são unânimes em afirmar que o maior problema da qualidade da água no país é a falta de tratamento de esgoto. Mesmo com poucos dados disponíveis, a especialista em recursos hídricos da ANA Renata Bley diz que as tendências de melhora identificadas são “resultado, principalmente, de investimentos em coleta e tratamento de esgoto nas regiões metropolitanas”.

Apenas 37,5% do esgoto gerado no Brasil é tratado, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. A coleta é realizada para 48,1% da população. Para Maurrem Vieira, é preciso investir mais no tratamento de esgoto: “Expandimos o serviço e, paralelamente, a população cresce. É como se fosse uma corrida, que por enquanto estamos ganhando.”

Um estudo do Instituto Trata Brasil e do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, lançado na quarta-feira (19/03), indica que o país é o 112° no mundo em termos de evolução e cobertura de saneamento.

“A expansão de 4,1% ao ano perdeu velocidade nesta década de 2010 – na anterior, era de 4,6% ao ano – o que nos distancia ainda mais da já longínqua meta do governo federal de universalizar os serviços em 2030”, afirma o instituto em nota.

Problemas ambientais

Um dos principais problemas ambientais causados pelo esgoto não tratado é a falta de oxigênio nos rios. Os dejetos contêm matéria orgânica, que serve de alimento para bactérias. No processo, elas consomem oxigênio, baixando o nível do gás na água. Em regiões urbanas, é comum encontrar rios praticamente sem oxigênio, onde o odor é forte e a fauna aquática não consegue sobreviver.

Outra dificuldade recorrente é o crescimento exacerbado de algas em lagoas e represas, causado pela presença de nitrogênio e fósforo, que são nutrientes para esses organismos. “As algas mudam a coloração do corpo d'água e prejudicam bastante a qualidade”, afirma Marcos Von Sperling.

As principais causas de poluição, além do esgoto, são os lançamentos da industria e da agricultura, que geram rejeitos químicos nocivos, como os agrotóxicos, por exemplo. Por fim, há a poluição difusa, cuja origem é difícil de verificar e pode incluir qualquer dejeto. “Vai desde o sofá velho ao cachorro morto, tudo vai parar nos córregos”, diz Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da SOS Mata Atlântica.

A falta de tratamento de esgoto tem consequências graves para a saúde pública do país. “Nos dejetos há diversos organismos patogênicos, como bactérias, vírus, protozoários e vermes, que causam uma série de doenças”, explica o professor Marcos Von Sperling.

Ainda que o tratamento da água seja realizado corretamente, há outros usos dos recursos hídricos que podem disseminar doenças. “Se a pessoa nadar em um rio sujo, comer alimentos lavados ou irrigados com água contaminada, ela pode ser infectada”, lembra.

Segundo o estudo do Instituto Trata Brasil, foram notificadas 340 mil internações por infecções gastrointestinais no Brasil em 2013. Mais de 170 mil foram de crianças de até 14 anos de idade. A pesquisa aponta que a universalização do saneamento traria uma economia anual de 27,3 milhões de reais para os cofres públicos apenas com as internações.

Água em casa

A poluição dos rios e represas com esgoto e rejeitos químicos nocivos também pode afetar a qualidade da água que chega às casas. “O risco é sempre maior quando tratamos uma água bruta muito poluída”, defende Von Sperling.

“As estações de tratamento de água não estão preparadas para o esgoto. São processos diferentes. Por isso, se o material é jogado sem tratamento em uma área de captação de água, pode sim haver problemas”, argumenta Pedro Mancuso, professor do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Além do risco para a saúde, a poluição encarece o tratamento de água, afirma Von Sperling. “Os processos convencionais se tornam insuficientes e é preciso empregar métodos mais caros”, diz.

Ainda que a qualidade da água varie muito no Brasil, inclusive dentro de uma mesma cidade, os especialistas consideram que ela é satisfatória. “Temos o primo pobre, que é o tratamento de esgoto, e o primo rico, que é o tratamento da água”, assegura Malu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica.

Os estudiosos concordam que as caixas d'água são um ponto fraco do sistema, que não está presente em outros países, onde o abastecimento é feito direto da estação para as residências. Segundo eles, a água tratada é de qualidade, mas pode se deteriorar nos encanamentos e reservatórios das casas e edifícios.

Eles também elogiam a legislação, considerada moderna. “A portaria é boa, mas ela é difícil de ser cumprida em regiões afastadas e sem estrutura. Onde ela é seguida o tratamento é eficiente, como costuma acontecer nas companhias estaduais”, diz Pedro Mancuso.



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