Desmatamento, rodovias e agricultura danificam cerca de cem locais reconhecidos pela Unesco
Miguel Ángel Criado | El País
"O mundo nunca aceitaria que a Acrópole fosse derrubada ou que algumas pirâmides fossem desmontadas para a construção de bairros e estradas. Mas, neste momento, em todo o planeta, estamos permitindo que nossos Patrimônios Naturais da Humanidade sejam seriamente alterados”, denuncia o ecologista James Watson, da ONG Wildlife Conservation Society (WCS). Junto a outros colegas, esse professor analisou a situação dos lugares reconhecidos como Patrimônios da Humanidade pela Unesco como uma herança para as futuras gerações. Mais de cem deles estão acuados pelas atividades humanas.
Mapa que mostra todos os Patrimônios Naturais da Humanidade incluídos no estudo. Em vermelho, os que perderam mais massa florestal desde 2000. Allan et al/Biological Conservation |
Dos mais de 1.000 monumentos, cidades e paisagens na lista do Patrimônio da Humanidade, 200 são parques ou reservas naturais. Não foram construídos pelos humanos, mas protegê-los e conservá-los deveria ser tão importante quanto cuidar da arquitetura colonial de Ouro Preto. Entretanto, o novo estudo, publicado na revista Biological Conservation, mostra que não tem sido assim. O trabalho, que começou em 1993, analisa várias ameaças humanas, como o avanço da agricultura, o pastoreio, a urbanização e a abertura de estradas, usando-as para criar um índice do rastro humano sobre os espaços naturais. A pesquisa também inclui a perda de massa florestal desde o começo deste século.
Nestes quase 25 anos, mais de cem locais protegidos sofreram pioras. O rastro humano aumentou em 63% dos sítios naturais reconhecidos pela Unesco, e só os localizados em território europeu se mantiveram relativamente iguais a como estavam em 1993. Os mais castigados ficam na Ásia, e o mais acuado é o Parque Nacional de Keoladeo, na Índia. Porém, aqueles onde a pressão humana mais se intensificou foram o santuário para a vida selvagem de Manas, também na Índia, e o Parque Nacional de Chitwan, no vizinho Nepal. Na África, a maior deterioração aconteceu no Parque Nacional das Montanhas Simien, na Etiópia.
"A densidade populacional ao redor de Keoladeo é muito alta, e o parque é muito pequeno. Além disso, foi uma reserva para caçar patos, por isso há muita infraestruturas do passado”, comenta James Allan, professor da universidade de Queensland (Austrália) e principal autor do estudo. “Por sorte, a situação de Keoladeo é estável. Há lugares como Manas, pelos assentamentos ilegais, ou nas montanhas Simien, pelo pastoreio e a agricultura, onde o rastro aumentou mais”, acrescenta.
Quanto ao desmatamento, esse sim é um problema generalizado. Dos 134 Patrimônios da Humanidade que tiveram sua cobertura florestal analisada, em 122 a vegetação está recuando. Embora na maioria a perda tenha sido pequena, 10 das áreas mais protegidas do planeta perderam mais de 5% de suas árvores ou arbustos. Entre elas estão parques míticos como o de Doñana, na Espanha, e de Yellowstone, nos EUA, que perdeu 6,3% das suas matas.
A América do Norte, aliás, é a região que mais desmatamento sofreu. Embora haja lugares de outras regiões que individualmente sofreram grandes perdas, como a Reserva da Biosfera Rio Plátano, em Honduras, ou a zona do lago Baikal, na Rússia, 57% da perda florestal global neste século se deu nos parques nacionais dos EUA e Canadá.
Aqui, recordam os pesquisadores, o principal vetor não foram os humanos, e sim um inseto, o besouro da espécie Dendroctonus ponderosae, que está dizimando os pinheirais norte-americanos. Mas, mesmo nesse caso, pode haver responsabilidade humana, pois há crescentes indícios de correlação dessa praga com a mudança climática. Com o aquecimento, o besouro entra cada vez mais em latitudes e altitudes mais elevadas. Além disso, com os invernos mais curtos, o percentual de larvas que sobrevivem é maior.
O estudo não inclui a mudança climática em sua análise das ameaças contra os Patrimônios Naturais da Humanidade. Tampouco mede o impacto de outras ações humanas, como a caça ilegal e o turismo. Como reconhece Allan, “nossos resultados são uma subestimação, o que é ainda mais preocupante”.
“Só avaliamos os dados até agora”, afirma ele. “Com o crescimento da população, da infraestrutura e da mudança climática, as coisas irão piorar.”