Governo não fiscalizou mais de 70% das estruturas no país

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Texto que atestou segurança em Brumadinho tinha apenas cinco linhas


Tatiana Lagôa | O Tempo

Mais de 70% das barragens de mineração do país não foram fiscalizadas pelo governo federal. A Agência Nacional de Mineração (ANM) avaliou apenas 211 das 791 estruturas existentes em 2017, último ano com dados consolidados. Enquanto isso, as mineradoras praticamente se autorregulam, bancando auditorias independentes escolhidas por elas. O risco do modelo ficou evidente com a tragédia na barragem I da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, que deixou 84 mortos e 276 desaparecidos.

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Autoregulação: Segurança da Barragem 1 da mina do Córrego do Feijão foi atestada por uma empresa contratada pela própria Vale

A Vale se pautou em um atestado de segurança da estrutura que desabou feito pela empresa Tüv Süd. O documento, de setembro de 2018, tem apenas uma página e quase nenhum detalhe sobre as condições da barragem. Em cinco linhas, o texto atesta a estabilidade da estrutura. O documento está sendo questionado pela Justiça e levou, inclusive, à prisão de dois engenheiros da Tüv Süd nesta terça-feira (29).

“Queria um documento que mostrasse detalhes da estrutura. Mas, por meio de decreto em 2017, o governo definiu que é preciso fazer o atestado, mas não determinou os instrumentos a serem usados. Não há detalhamento de como o trabalho deve ser feito”, diz o professor de engenharia de minas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Evandro Moraes da Gama.

Regras

A Política Nacional de Segurança de Barragens, estabelecida pela Lei federal 12.334/2010, determinou que a ANM deve acompanhar a situação das barragens de mineração. Mas, na prática, falta estrutura. “A ANM está sucateada. Ela tem hoje metade do número de funcionários que tinha há uma década. Falta até gasolina para os veículos. Tentaram melhorar a situação com a mudança de departamento para agência em dezembro, mas nada mudou. Nesse mês, eles atrasaram até o repasse da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) em 20 dias, por falta de uma pessoa para assinar o documento”, diz o consultor da Associação dos Municípios Mineradores (Amig), Waldir Salvador.

A reportagem tentou contato telefônico com a agência, e uma funcionária disse que vários cargos estão incompletos e “as contratações feitas aos poucos”. Enquanto o governo tenta reorganizar a estrutura responsável pela fiscalização, as barragens não fiscalizadas apresentam risco para milhares de pessoas. Só em Minas, 5,6 milhões vivem nas 70 cidades com estruturas de mineração.

No Chile, técnica já foi banida

São Paulo. Mais barato e inseguro dos métodos, o modelo de construção a montante, usado na barragem que se rompeu em Brumadinho na última sexta-feira e em Mariana há três anos, ainda é usado em outros países, mas já foi proibido no Chile, principal produtor de cobre do mundo. “O banimento do tipo de barragem a montante ocorreu na esteira dos fortes terremotos que atingiram o país entre as décadas de 60 e 70”, explica David Chambers, geofísico americano especialista em mineração.

Para Chambers, lugares no Brasil com alto índice pluviométrico deveriam seguir o mesmo caminho. “Não se deve construir barragens do tipo em lugares úmidos, onde a precipitação líquida excede a evaporação”, diz. “O risco de falha nessas áreas é inaceitável. Muitas coisas podem dar errado”, afirmou.

A barragem a montante é erguida por meio de degraus, que ficam sobre os rejeitos de minério. Além dela, existem outros dois tipos de construção: a jusante e por linha de centro. A primeira cresce na direção dos resíduos, formando uma pirâmide que segura a lama. Os alteamentos são erguidos a partir do dique. O método pode ser até três vezes mais caro e ocupa mais espaço. Já a barragem por linha de centro é uma espécie de combinação dos dois tipos. Os degraus são erguidos uns por cima dos outros, seguindo uma linha de centro vertical.
‘Vale não pode ser sacrificada’, diz secretário de Privatizações

São Paulo

O secretário geral de Desestatização, Salim Mattar, disse nesta terça-feira que a Vale não pode ser sacrificada pela sociedade, mas sim os responsáveis pela tragédia de Brumadinho, com o rompimento da barragem.

“Neste desastre terrível, estou vendo a sociedade sacrificando a companhia, quando deveriam ser sacrificadas as pessoas que tomaram as atitudes”, disse Mattar, durante abertura de conferência do Credit Suisse na capital paulista. Ele reforçou que as pessoas devem ser punidas, e não a empresa. “A companhia não fez mal a ninguém, o CNPJ não fez mal a ninguém”, afirmou. “Os erros foram cometidos por seres humanos, e essas pessoas é que devem pagar, e não a companhia”, afirmou, destacando que é a favor das empresas, que são grandes geradoras de emprego.

Impacto

O rompimento da barragem I da mina de Córrego do Feijão espalhou lama em uma área de aproximadamente 290 hectares, o que representa cerca de 300 campos de futebol. A informação foi divulgada nesta terça-feira pelo Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema). O órgão detalhou ainda que a lama percorreu nove quilômetros desde o ribeirão Ferro-Carvão até desaguar no rio Paraopeba.

No Estado

Regra. Os governos estaduais ficam responsáveis apenas pela avaliação dos impactos ambientais causados pelas barragens. Em Minas Gerais, foram feitas 300 vistorias em 2018.

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