Garis e mergulhadores removem 19,6 toneladas de resíduos da praia e da Mureta da Urca, no RJ (VIDEO)

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Garrafas de cerveja, pneus, talheres e copos descartáveis e embalagens de preservativo estavam entre os resíduos encontrados por garis da Comlurb (Companhia de Limpeza Urbana da Prefeitura) e mergulhadores do Instituto Mar Urbano (IMU) na praia e na famosa Mureta da Urca, na Baía de Guanabara. 

Mônica Nunes | Conexão Planeta

Foi uma verdadeira força-tarefa! 36 garis retiraram resíduos das pedras – sete eram alpinistas e desceram pela mureta para alcançar locais de difícil acesso -, da areia nas praias e do espelho d‘água (neste caso, com um ecoboat), enquanto cinco mergulhadores limpavam o fundo da Baía.

Garis alpinistas desceram em trechos de difícil acesso para recolher resíduos nas pedras – Foto: Marcos de Paula / Prefeitura do Rio

Ao todo, foram coletadas 19,6 toneladas de resíduos! O Corpo de Bombeiros acompanhou a operação para garantir a segurança dos profissionais.

A mureta é conhecida como ponto de encontro de jovens e casais, que se abastecem nos bares e restaurantes da região e seguem para a mureta para conversar e namorar. Desatentos – e talvez sem ter noção do impacto desses resíduos no mar -, deixam copos de plástico voar, lançam garrafas e embalagens na água…

Fauna incrustada

Soma-se a esse descarte irresponsável diário uma quantidade enorme de pneus acumulados nas profundezas daquelas águas.

“Na região da mureta há poucas ondas e correntes e, por isso, os pneus não se movimentam no fundo, ficando parecidos com recifes de coral artificiais, alguns certamente com mais de 30 anos!”, conta o biólogo marinho, fotógrafo e documentarista Ricardo Gomes, do Instituto Mar Urbano.

“Por isso, a remoção desses pneus tem que ser acompanhada por um intenso trabalho de resgate da fauna associada e, em alguns casos, não vale a pena retirá-los porque agregam muita vida”. E ele completa: “Existe um cemitério de pneus ali… É um caso a ser estudado por alguma universidade, podendo render um bom trabalho científico”.

Ed Bastos do BG500, projeto de educação ambiental, é especialista em resgate de fauna associada e foi quem coordenou esse trabalho.

Como se pode ver pelas imagens, objetos como garrafas tornaram-se morada de diversos organismos aquáticos. Gomes conta que, num primeiro momento, os mergulhadores tiraram tudo que encontraram da água e que, de alguns objetos, foi possível retirar os animaizinhos incrustados. Mas parte do lixo subaquático foi devolvido para preservar essa fauna.

E acrescentou: “Fizemos um cálculo aproximado e acreditamos que conseguimos salvar mais de duas mil vidas, cerca de dois mil animaizinhos de diferentes espécies, que estavam incrustrados nesses resíduos”.

O biólogo destaca também que a parte da limpeza subaquática foi muito mais educativa do que efetiva porque serviu muito para mostrar que o lixo que a gente não vê continua nos oceanos. Não flutua, nem some!

“85% do lixo encontrado nos oceanos está no fundo do mar. Só pensando nos plásticos, a gente tirou cerca de 200 pedaços do fundo da água em frente a mureta”. E a ação não se limitou a esse trecho da baía: a limpeza foi realizada do cais do flutuante às praias da Urca e Vermelha, de acordo com informações da prefeitura.

‘Tsunami de lixo’

A ação de limpeza de resíduos realizada na Urca é fruto de uma parceria entre a Comlurb, a subprefeitura da Zona Sul e o Instituto Mar Urbano (com o apoio da OceanPact, Oceana Brasil, Macau Dive e da Associação de Moradores da Urca), que se iniciou logo após um “tsunami de plástico” flagrado por Ricardo Gomes na praia de São Conrado, no primeiro sábado de 2021, logo após um temporal. Contamos aqui.

A praia de São Conrado, em 2 de janeiro deste ano, pouco antes do ‘tsunami de lixo’ visto por Ricardo Gomes, do Instituto Mar Urbano, autor da foto

O vídeo publicado pelo instituto nas redes sociais viralizou (veja no Instagram), sensibilizando o maior surfista profissional do mundo, Kelly Slater, que compartilhou o registro, indignado, e falou de conscientização e dos cuidados com o descarte de plástico no mar. Milhares de pessoas pelo mundo viram essa cena deprimente: o post teve mais de 4 mil compartilhamentos.

No dia seguinte, as equipes da Comlurb foram à praia de São Conrado e recolheram mais de 2,5 toneladas de resíduos, a maior parte de garrafas pet!

“Eles divulgaram esse trabalho em suas páginas. Vi muita gente malhando a companhia e fui lá defender porque a Comlurb é uma das melhores gestões na área de limpeza urbana no Rio de Janeiro“, ressalta Gomes.

“É preciso entender que, no Brasil, por ano, são fabricados cerca de 500 bilhões de peças de plástico de uso único!! Não existe gestão de resíduos urbanos que dê conta dessa enormidade! É preciso conter essa produção. Temos que fazer a nossa parte”, alerta.

Esse dado foi divulgado em dezembro do ano passado pela Oceana Brasil em seu novo relatório Um Oceano Livre de Plástico. Falamos dele quando contamos a história da tartaruga encontrada morta na Baía da Guanabara por Ricardo Gomes e a equipe do IMU, no mesmo mês.

Na semana seguinte do “tsunami”, a Comlurb procurou o IMU para propor uma ação integrada de limpeza.

“Fomos à São Conrado durante a semana inteira seguinte e vimos que, a cada dia, ela estava mais limpa. No sábado, encontramos o pessoal da companhia e fizemos uma celebração: entregamos um diploma que criamos no IMU, uma espécie de prêmio de honra ao mérito, ao qual demos o nome de Defensores do Oceano“, conta o biólogo.

Ele entregou o diploma para um gari que fazia parte da equipe, na presença da diretoria, e fez questão de ressaltar a importância do papel desse profissional, frisando este momento de pandemia:

“Eles mantêm as ruas limpas para que possamos conseguir sobreviver, mas as pessoas, em geral, dão muito pouco valor para eles. Na verdade, os desprezam. O cara deixa o lixo na praia porque sabe que tem um gari que vai lá recolher”.

E prosseguiu: “Todos ficaram muito emocionados e reconhecidos quando receberam o prêmio. Foi aí que, em conversa, bolamos esta grande ação de limpeza da Mureta da Urca“.

Escultura educativa

As 2,5 toneladas de resíduos coletados na praia de São Conrado – a maioria, garrafas pet – e parte do que foi coletado na Urca serão transformadas em uma grande escultura pelas mãos do artista plástico mexicano Ismael Torrano, grande amigo de Gomes.

A obra terá formato de uma onda em tubo – em homenagem ao surfista Kelly Slater, que ajudou a divulgar o registro daquele “mar de lixo” pelo mundo – e já tem nome: Tsunami de Plástico.

Ela deve ser instalada na praia de Copacabana, em fevereiro. A seu lado, a prefeitura colocará um totem com informações sobre o material de que é feita a escultura e o impacto do plástico nos oceanos.

O público poderá circular dentro da obra e fazer selfies para publicar em suas redes sociais e ajudar a disseminar esse grave problema ambiental.

Uma grande onda de comunicação

Gomes disse que espera que a parceria com a Comlurb tenha continuidade para que cada vez mais pessoas, que moram no Rio de Janeiro, possam ser sensibilizadas sobre o perigo dos plásticos de uso único e a necessidade urgente de mudarmos nossos hábitos de consumo.

E destaca que sua grande alegria é ver que o registro daquele ‘tsunami de lixo’ em São Conrado se transformou numa grande onda de comunicação sobre o plástico nos oceanos.

“A parceria com a Oceana, que já vem de um ano, está em seu melhor momento. A organização lançou seu relatório em dezembro e, com todas as ações que estamos fazendo, o IMU tem conseguido levar essas informações para os mais diferentes veículos de comunicação e para o público”. E acrescenta:

“Este é o movimento que importa: transformar o carioca e o brasileiro de um povo com tradição de praia em um povo com cultura de mar, que entende a urgência de mudarmos nosso comportamento em relação ao consumo, pela proteção dos oceanos. Ainda mais agora, em que acabamos de inaugurar a Década do Oceano!”.

Essa década, que vai de 2021 a 2030, foi instituída pela ONU e pela Unesco no ano passado e será dedicada à Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável. A intenção é promover a ampliação da cooperação internacional com o objetivo de preservar o oceano e a gestão dos recursos naturais das zonas costeiras. Considerando a dimensão e a diversidade das águas que banham todos os continentes, um dos objetivos é compreendermos o oceano como um só, conectado (por isso, a nova década é do Oceano e não dos Oceanos).

“O que fizermos agora e até daqui a dez anos vai determinar o futuro da espécie humana no planeta para os próximos 10 mil anos”, ressalta Gomes. “Temos uma responsabilidade muito grande de mudar essa postura e de olhar para o oceano com gratidão, saber que, se a gente está vivo hoje, é porque o oceano ainda está vivo, é porque ainda existe vida lá, é porque as microalgas ainda estão fazendo fotossíntese, que coloca no ar 70% do oxigênio que a gente respira“.

E finalizou: “A gente tem que acordar, agradecer e fazer o que for possível para salvar a vida no mar. Salvar a vida no mar é salvar a nós mesmos. O mal feito ao oceano é o mal feito a nós”.

Três ações ao nosso alcance

Ricardo Gomes vive e pensa o mar todos os dias. Ama o mar como poucos, por isso é aguerrido ativista na defesa dos oceanos e reconhecido pela ONU e outras organizações no país e pelo mundo.

Com seu Instituto Mar Urbano tem espalhado conhecimento e belezas cinematográficas como Baía Urbana (foto acima), documentário premiado, que revela a riqueza do mar dessa baía tão castigada pela poluição, da vida que resiste apesar de nós, sobre o qual contei aqui.

Pra terminar nossa entrevista, o biólogo destacou três ações propostas pela Oceana Brasil, em seu relatório citado acima, e que podem contribuir para transformar nossa relação com os oceanos: 
  1. Lei nacional para reduzir o uso de plástico de uso único: Não existe “uma legislação robusta, inspirada em políticas, leis e boas experiências internacionais, visando reduzir a geração de resíduos evitáveis, problemáticos e desnecessários”, como destaca a organização. Para Gomes, é preciso uma pressão social para que essa política exista e gerencie tal produção. Depende de nós também;
  2. Oferta de alternativas sem plástico para o consumidor: “As empresas devem oferecer aos consumidores opções livres de plástico para seus produtos e embalagens, a um custo similar ou menor do que as embalagens hoje utilizadas. A oferta dessas alternativas por diversas empresas comprova não só a viabilidade como o interesse do consumidor por essa opção”. A pressão direta junto às marcas que a gente consome pode contribuir muito para mudar esta realidade mais rápido; e
  3. Zonas livres de plástico: Em abril de 2019, a ilha de Fernando de Noronha tornou-se o primeiro território a banir o plástico descartável no Brasil (se você quiser saber mais: Noronha Plástico Zero). Já pensou de essa lei se espalhasse pelo país? Fossem criadas “áreas onde não são fornecidos, comercializados ou utilizados plástico de uso único, como escritórios corporativos, aeroportos, escolas, hotéis, bares de praia, até festivais, eventos ou cidades, que podem ser implementadas por comunidades, governos ou estabelecimentos comerciais”, como propõe a Oceana. Mas qualquer pessoa pode criar áreas “plástico zero”. Que tal “começar por sua casa” como propõe Gomes? Enquanto pressionamos e esperamos que os governos implementem tais zonas livres de plástico públicas, nós criamos zonas livres de plástico particulares: “na nossa casa, no ambiente de trabalho, na nossa rua, no nosso bairro e, assim, essas zonas vão crescendo. Um movimento que, primeiro, cresce dentro de cada um e depois se expande”.
As três sugestões parecem muito viáveis, não? Pense de que forma você pode fazer movimentos pra torná-las possíveis, em qualquer escala. E, agora, assista ao vídeo que mostra detalhes da limpeza incrível feita pelos mergulhadores do Instituto Mar Urbano nas águas próximas à mureta da Urca, com o apoio da Comlurb. Vida longa à parceria!


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