DESERTIFICAÇÃO NA PARAÍBA: Um alerta do Dia Mundial de Combate a Desertificação e a Seca

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Jose Jakson Amancio Alves - Professor Titular do Departamento de Geografia - Centro de Humanidades - Universidade Estadual da Paraíba


Etimologicamente, desertificação deriva de duas palavras latinas: (i) desertus, adjetivo, particípio passado do verbo desere (desertar, deixar, abandonar), significando, abandonado, desabitado, inculto, selvagem e, desertus, substantivo que quer dizer, solidão, desolação, área vazia; (ii) e fixação, sufixo verbal proveniente da forma passiva do verbo latino ficare (ficeri), ação de fazer, ser feito, ser produzido.


O conceito de desertificação já havia de certo modo sido esboçado no Brasil por Euclides da Cunha, em 1901, em dois ensaios jornalísticos escritos por ocasião de uma viagem de trem entre o Rio de Janeiro e São Paulo, intitulado: “Fazedores de Desertos” e “Entre Ruínas”. Neles são descritas as pilhas de lenha amontoadas ao longo da estrada de ferro, provenientes da Mata Atlântica e as encostas laceradas por voçorocas com as rochas expostas nas terras antes ocupadas pelas plantações de café, e que foram abandonadas.


Apesar das várias definições oficiais oriundas de diversos organismos internacionais de combate à desertificação, existem mais de 130 definições recobrindo os diversos campos multidisciplinares e interdisciplinares que tratam do problema. Porém, a UNCED (1992), difunde em julho de 1992, como sendo: “degradação das terras em áreas áridas, semi-áridas e subúmidas seca resultando de vários fatores inclusive das variações climáticas e das atividades humanas”.


Para Mainguet (1992) a desertificação é revelada pela seca, que se deve às atividades humanas quando a capacidade de carga das terras é ultrapassada; ela procede de mecanismos naturais que são acelerados ou induzidos pelo homem e se manifesta através da degradação da vegetação e dos solos e provoca, na escala humana de uma geração, (25-30 anos), uma diminuição ou destruição irreversível do potencial biológico das terras e de sua capacidade de sustentar suas populações.


Esta definição possa ser a mais abrangente, pois enfatiza as causas humanas e os parâmetros climáticos, sobretudo a seca, agindo como reveladores dos processos de degradação. Como conclusão compreende-se que a desertificação é uma crise ambiental cujo término é surgimento de paisagens desérticas e que se caracteriza por uma degradação qualitativa marcada pelo desaparecimento irreversível de algumas espécies vegetais e quantitativa pelo esgotamento definitivo dos planos d’água superficiais, pela baixa dos lençóis freáticos e pelo aumento da degradação dos solos em virtude de uma exarcebação de processos de erosão hídrica e eólica.


No entanto torna-se necessário uma diferenciação entre desertificação, como forma irreversível de deterioração ambiental cuja recuperação seria muito onerosa, complexa ou longa dentro de um contexto socioeconômico e tecnológico determinado e degradação reversível, quando a regeneração é viável econômica e tecnologicamente dentro de prazos razoáveis.


Para completar, podemos enfatizar que todas as definições apontam que as regiões mais atingidas pela desertificação são aquelas marcadas periodicamente pelas secas. Estas servem de reveladoras e exarcebadoras dos processos de degradação dos recursos naturais.Três questões são comumente levantadas ao se tratar da desertificação: (i) As causas da desertificação são exclusivamente antrópicas ou elas resultam da interação entre fatores físicos e humanos? (ii) Não seriam elas resultantes de variações de ordem climática? (iii) Qual o papel do homem na desertificação se considerar como causa principal a interação homem-natureza?


Como bem sabemos, o uso do solo, a pecuária extensiva e semi-extensiva, a exploração mineral e dos recursos florestais das caatingas, além de outros fatores, vêm ao longo dos anos causando profundas transformações no domínio geobotânico e morfoclimático do semi-árido e acelerando processos naturais que desencadeiam a formação de núcleos de degradação ou desertificação em várias áreas do Nordeste, em especial na área do polígono das secas (criado pela lei n° 173, de 7 de janeiro de 1936, atualizado a relação dos municípios com a Resolução n°11.135 de 19 de dezembro de 1997, com uma área total de 1.084.348,2 Km², correspondente a 1.348 municípios; a Paraíba tem 223 municípios dentro dessa área).


As causas da desertificação na Paraíba não diferem das que são encontradas em outros estados nordestinos. Elas são decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais, de práticas agrícolas inapropriadas e, sobretudo de modelos de desenvolvimento macro e micro econômicos de curto prazo. Um outro grave aspecto a considerar é as práticas agrícolas tradicionais, geralmente associadas a um sistema concentrado de propriedade da terra e da água conduzindo a graves problemas socioeconômicos que se aprofundam quando sobrevêm as secas.


A Paraíba é o estado brasileiro com maior nível de desertificação, segundo dados da Organização Não-Governamental Internacional Greenpeace. No relatório “Mudanças de clima, mudanças de vida”, indica que 29% do território paraibano está comprometido, afetando indiretamente mais de 653 mil pessoas. O MMA (2007) admite que cerca de 80% dos municípios paraibanos estão numa área em que os índices pluviométricos são inferiores a 800 mm por ano, causando aproximadamente problemas a cerca e 1,5 milhão de pessoas.

Em diagnostico realizado pela Superintendência do Meio Ambiente (Sudema-PB) cerca de 57,06% do território paraibano possui um grau muito alto de suscetibilidade a desertificação, que se estende do Seridó Ocidental, nos municípios de Várzea, São Mamede, até a Microrregião de Sousa incluídos nesse percentual. Agravando ainda muito mais ainda esses diversos relatórios são os números do Ibama, colocando a Paraíba como líder do ranking dos estados que mais desmatam no Nordeste. Segundo relatório do Ibama o desmatamento corresponde hoje à cerca de 70% da mata nativa, número superior ao registrado em outros estados do Nordeste, que é de 50%.


O Ibama estima que por ano, cerca de 17 mil hectares de lenha sejam retiradas das matas paraibanas. Todos esses dados foram publicados entre os anos de 2002 e 2007, e expõem uma coisa óbvia: a expansão do semi-árido paraibano, ou seja, de áreas susceptíveis a desertificação (núcleos de desertificação), onde a paisagem já evidencia a ocorrência de núcleos de desertificação, alguns deles em estado bastante avançado.


Os núcleos de desertificação são áreas isoladas cujas condições de degradação da vegetação e solos (erosão hídrica, química) denunciam claramente a diminuição de sua capacidade produtiva. Esses núcleos de desertificação constituem pequenas áreas de formas variadas-pontuais, lineares e areolares - em que os solos apresentam-se fortemente degradados: o horizonte superficial decapitado pela erosão laminar ou retalhados pelos ravinamentos, alguns destes chegam a ser medianamente profundos (nas acumulações coluviais dos pés-de-serra, e dos terraços fluviais) e por vezes, por certos movimentos de massa de pequena dimensão.


Nesses locais a vegetação se recupera muito dificilmente ou então é substituída por algumas espécies mais xerófilas da caatinga. Uma outra observação, é que os núcleos de desertificação possuem dinamismo próprio baseado na morfodinâmica característica do sistema semi-árido e têm uma tendência a evoluir em detrimento das áreas vizinhas por processos regressivos de erosão. Além disso, eles podem ser dotados de elevado potencial de degradação, dependendo das condições ecotópicas e podem ser localizados ou generalizados. Sua tendência evolutiva no tempo e no espaço pode ser rápida, muito rápida, lenta ou incipiente. Em alguns casos observados a degradação já se encontra em um estágio muito avançado, talvez irreversível.


Os principais indicadores dos núcleos de desertificação mapeados na Paraíba foram:


a) áreas dedicadas ao pastoreio extensivo do gado bovino e caprino;


b) setores de tomada de empréstimo de terras marginais às estradas e açudes;


c) áreas lineares ao longo das instalações das linhas de transmissão de energia elétrica em que surgem pequenos ravinamentos e aumentam de modo irreversível;


d) áreas em torno das cidades, vilas e povoados e sedes de fazendas, em que a retirada da vegetação para lenha atinge proporções imensas com ravinamentos, solos raspados e solos decapitados;


e) áreas de produção de carvão e áreas de fornos de cal e de olarias;


f) áreas de passagem dos rebanhos. Formam-se caminhos em zigue-zague, com solo compactado pelo excesso de pisoteio;


g) terracetes de pisoteamento do gado nas encostas geralmente nas áreas com pastagens plantadas;


h) antigos campos cultivados - terras completamente retalhadas pela erosão hídrica;


i) construção de cercas, às vezes quilométricas, cria ao longo delas, estreitas faixas onde podem começar a ocorrer processos incipientes de degradação;


j) interflúvios pedregosos sem nenhuma vegetação que geralmente foram antes utilizados pela agricultura comercial.


Candido, Barbosa & Silva (2002) sobre a avaliação da degradação ambiental de parte do Seridó paraibano concluíram que: as análises dos dados coletados em campo permitiram uma avaliação do quadro socioeconômico e ambiental, que indica alta deteriorização das condições de vida, e denuncia as dificuldades severas das famílias em que se manter, mostrando o completo abandono do homem do campo. E continuam: o poder público precisa definir urgentemente políticas públicas, visando ao desenvolvimento sustentável com a diminuição dos riscos, e que venham consolidar a participação da mulher rural nas atividades socioeconômicas e familiar.


Para Santos & Lima (2004) é o desmatamento da caatinga nativa para a venda de lenha às olarias e as panificadoras locais e de outras localidades do estado, junto à fragilidade dos ecossistemas, que tem contribuído para o aparecimento do fenômeno da desertificação, prejudicando a estrutura produtiva da região.


Segundo Neto & Barbosa & Neto (2007) o que acelera o desmatamento da caatinga para a introdução consorciada das culturas de autoconsumo e pastagens, associados ä dinâmica de recomposição da vegetação nativa e suas relações com os eventos ENOS, tem acelerado o processo de degradação dos solos, contribuindo progressivamente para a evolução dos níveis de degradação das terras e a formação de núcleos de desertificação.


Na prática a desertificação se espalha lentamente a partir de pequenos núcleos até atingir grandes superfícies. Ela se alimenta por si própria, criando áreas áridas que antes apresentavam um certo potencial biótico. Combatê-la logo de início pode dar resultados, mas se nenhuma ação for empreendida, por falta de vontade política, parar a desertificação torna-se extremamente oneroso. Suas causas e efeitos: (1) PRESSÃO DAS CULTURAS; (2) SOBREPASTOREIO; (3) EXPLORAÇÃO FLORESTAL; (4) O CONSUMO DO ESPAÇO PELAS CULTURAS.


Na caatinga as áreas mais densamente cultivadas são os interflúvios, encostas das serras, os terraços fluviais, as abas pouco inclinadas dos vales, os pés-de-serra e as vazantes dos açudes. Nos interflúvios a vegetação é abatida e depois queimada. Efetua-se então o plantio. Após alguns anos de cultivo de milho, feijão, algodão, os campos são deixados em descanso e as capoeiras começam a ocupá-los. Estas podem ser utilizadas pelo gado após certo período de tempo e por um certo prazo. Em seguida e terreno é mais uma vez desmatado e um novo ciclo de culturas se reinicia.No total são áreas consideráveis que são desmatadas e redesmatadas a cada ano.


Após identificar as causas e efeitos da degradação ambiental, oriundas das condições edafo-climáticas e das transformações econômicas e sociais ocorridas ao longo do seu processo de ocupação, consideramos que esta situação da Paraíba, que também, é encontrada nos estados vizinhos, nas regiões semi-áridas do Brasil, esses aspectos analisados se constituem numa verdadeira “ameaça” ao desenvolvimento sustentável da economia nordestina. Podemos agrupar essas considerações, em vulnerabilidades, como marcos centrais para uma política de desenvolvimento sustentável: a ambiental, a econômico-social, a científico-tecnológica e do estado.


A vulnerabilidade geoambiental mais destacada, naturalmente, é a desertificação, tanto no aspecto edafoclimatológico como socioeconômico, como também, um problema que continua fornecendo adubo às idéias regionalistas e se constitui parte essencial da identidade nordestina. No entanto, os efeitos da desertificação serão tão real quanto os efeitos da seca que são devastadores sentidos pela população mais pobre e sobre a economia rural da região. Por outro lado, a preocupação com a seca por parte do estado é tão secular quanto à inutilidade de suas ações para o seu combate, consumiram-se tantos recursos públicos quanto foram apropriados pelas oligarquias rurais que os administrava.


Neste aspecto, a sustentabilidade nas regiões semi-áridas tem de estar acompanhada de uma política de combate à desertificação considerando todos os itens analisados. Essa luta contra a desertificação deve ser baseada em três esferas: (1) Uma aceitação realista dos fatos geoecológicos, isto é: precipitações fracas e irregulares; recorrência imprevisível de longos períodos secos; um potencial fraco por unidade de superfície, donde decorre a necessidade de unidades de manejo bastante grandes para compensar a variabilidade das precipitações no espaço no decorrer de qualquer ano; ecossistemas frágeis e instáveis naturalmente; e graves riscos de erosão, de acumulação e de salinização dos solos. (2) Uma percepção adequada dos critérios econômicos e das atitudes sociais; e (3) A disposição de bons estudos capazes de fornecer uma sólida avaliação de cada unidade ecológica em função das estratégias de desenvolvimento e dos investimentos possíveis.


Mas, as soluções técnicas para se combater a desertificação só poderão ser aplicadas se houver uma forte vontade política para aplicá-las.No semi-árido nordestino estas soluções necessitam de uma verdadeira revolução sócio-cultural e política o que implica numa profunda interferência no sistema de propriedade de terra e na vida das populações envolvidas.


Além do mais cabe lembrar uma consideração tão importante quanto essas práticas para estabilização e combate da desertificação na Paraíba e no Nordeste do Brasil: o grande problema do Nordeste semi-árido não é de ordem física. Ele é social. No dia em que for adotada uma política que beneficie toda a população e não apenas os grupos econômicos externos à região e à oligarquia local, o problema será solucionado. (Andrade, 1989).


Por fim, convém lembrar que de acordo com dados do MMA (2007), as áreas suscetíveis à desertificação no Nordeste Brasileiro correspondem à cerca de 57% do território da região, cerca de 89 milhões de hectares. Isso representa um perigo para 10,5% da área total do país e abrange 1.031 municípios.


As razões apresentadas neste artigo sobre a desertificação consideram que qualquer programa de combate à desertificação passa pela luta contra a deteriorização dos recursos naturais e do aumento no Índice de Desenvolvimento Humano, sobretudo das populações rurais. Contudo os hábitos de vida também devem se caracterizar por atitudes sustentáveis.


Concluindo, parafraseamos o geógrafo e Prof. Manoel Correia de Andrade, em seu último artigo, escrito ao Jornal do Comercio-PE, em 01 de julho de 2007: “Não se pode admitir uniformidade para o Semi-Árido nordestino, uma vez que condições meteorológicas, geológicas e morfológicas provocam modificações nas suas diversas áreas, havendo trechos em que o clima pode ser considerado como semi-úmido e trechos onde pode ser considerado como semi-árido”. Assim, como na Paraíba, o tratamento aos demais estados nordestinos no combate a desertificação só produzirá grandes efeitos se forem considerados que essas regiões não são uniformes, e cada caso é em particular um estudo de caso.


Referencias Bibliográficas


CORREIA DE ANDRADE, M. “L’intervention de l’Etat et la sécheresse dans le Nordeste du Brésil”. In: Les hommes face aux Sécheresses (Coord. Bernard Bret), p. 391-398. Coll. “Travaux et Mémoires” de L’IHEAL, nº 42- Série Thèses et Colloques, n.1. Ed. EST/ IHEAL, Paris, 1989.


MAINGUET, M. “Stratégies de combat contre la degradation de l’environnement dans les ecosystèmes secs: les responses des Nations Unies, de la C.E.I.,de la Chine et du Sahel”.In Bull. Assoc. Géograph. França, Paris, 1992, n.5 p. 422-433.


CANDIDO, Humberto G.; BARBOSA, Marx P.; SILVA, Miguel J. da. Avaliação da degradação ambiental de parte do Seridó Paraibano. Revista brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, vol. 6, nº 2. Campina Grande, 2002.


SANTOS, Joel Silva os; LIMA, Eduardo Rodrigues Viana de Lima. Análise do processo de desertificação no município e Picuí - PB através de indicadores sócio-ambientais. X Simpósio Brasileiro e Geografia Física Aplicada. 2004.


NETO, Augusto Francisco da Silva; BARBOSA, Marx Prestes; NETO, João Miguel de Morais. A dinâmica da desertificação e a influencia dos eventos ENOS na degradação das terras em municípios o Cariri-Ocidental (Paraíba – Brasil). Anais XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Florianópolis, Brasil, 21 – 26 abril 2007, INPE, p.4405 – 4412.


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