Só a prefeitura não vê estudo da Firjan constata crescimento horizontal e MP acusa Cesar de improbidade administrativa ambiental
Liana Melo
Diariamente chegam às promotorias de Meio Ambiente do Ministério Público estadual do Rio de Janeiro denúncias de ocupação irregular na cidade.
É uma montanha de 600 procedimentos, que incluem construções irregulares como a denunciada na reserva biológica e arqueológica de Guaratiba, na Zona Oeste. Além de casas sendo construídas do lado direito do Túnel Dois Irmãos, no sentido São Conrado, ou na Rua Dois de Dezembro, no Flamengo — ambas em áreas de proteção ambiental. Este é o espólio que o futuro prefeito do Rio vai herdar de Cesar Maia.
Apesar de o atual prefeito alegar que as favelas da cidade só crescem verticalmente, estudo recente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) constatou o contrário. De 2002 a 2007, as favelas das zonas Sul, Norte e Central e da Baixada de Jacarepaguá cresceram mais de quatro vezes e meia a área ocupada pelo Morro Santa Marta, em Botafogo. A expansão foi de 250.279 metros quadrados.
Nova pesquisa da Firjan vai incluir Complexo do Alemão
A entidade, que entregou o estudo a todos os candidatos à prefeitura do Rio, espera concluir a segunda fase do levantamento antes da disputa do segundo turno. A nova pesquisa vai incluir o Complexo do Alemão. O estudo entregue aos candidatos inclui 219 favelas, que respondem por 29,2% das comunidades cadastradas no Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP).
Elas ocupam uma área de 11,3 quilômetros quadrados, o que significa a soma dos bairros Tijuca e Leme. O Rio tem hoje 750 favelas, segundo o IPP.
Caso o futuro prefeito do Rio não queira parar no banco dos réus como aconteceu com Cesar, ele terá que conter esse crescimento desordenado, seja vertical ou horizontal. O prefeito foi acusado, pelo Ministério Público, de improbidade administrativa ambiental. O processo está tramitando na Vara de Fazenda Pública.
— O sistema de fiscalização da prefeitura entrou em colapso, o que acabou levando a população a acreditar que poderia construir em qualquer lugar — analisa o promotor Carlos Frederico Saturnino, da 1ª Promotoria de Meio Ambiente do MP do Rio, comentando que a “cultura da irregularidade” tomou conta da cidade na gestão de Cesar.
Apesar de a lei impedir a construção de casas acima da cota 100 — que limita a área de preservação ambiental —, o número de moradias construídas nessas áreas não pára de crescer. Os ecolimites também não estão sendo respeitados.
Favelas como Rocinha, Vidigal, Alemão, Chapéu Mangueira e Borel são alvos preferenciais das invasões. Com base nas denúncias que chegam diariamente ao MP, o órgão já solicitou à prefeitura, em diferentes ocasiões, levantamento do tamanho da população que vive nas áreas de preservação ambiental. A pesquisa nunca foi feita.
O promotor está convencido de que a prefeitura do Rio transformou a lei “em ficção” na gestão de Cesar. Ontem, a Procuradoria Geral do Município encaminhou documento ao MP afirmando que vai “evitar o ajuizamento de demandas judiciais que enfrentam resistência e não logram êxito no objetivo de coibir a desordem urbana”.
— É por estas e outras que não há sanção real para o descumprimento da lei — diagnostica Saturnino, comentando que a prefeitura do Rio abriu mão do “poder pedagógico” de demolir casas levantadas em áreas irregulares.
Um em cada 5 cariocas mora em favelas, diz especialista
Especialistas como o diretor de Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gerônimo Leitão, acrescentam que nem mesmo a ocupação da faixa marginal de proteção dos rios e lagoas vem sofrendo qualquer tipo de controle público.
— Evidentemente que nenhum de nós é favorável à ocupação de encostas. Mas a questão é: o que fazer para integrar a favela à cidade? — questiona Leitão, calculando que, hoje, um em cada cinco cariocas mora em favelas.
Foi nas décadas de 60 e 70 que as favelas do Rio começaram a se proliferar. Um estudo do Ministério Público, feito em parceria com o Exército, constatou que, de 1964 a 2005, as favelas da Rocinha, Vidigal, Chácara do Céu e Parque da Cidade cresceram tanto que a Mata Atlântica acabou perdendo 548.225 metros quadrados.
O desmatamento provocado pelas invasões irregulares equivale a 66,4 Maracanãs, incluindo neste cálculo o campo de futebol e as arquibancadas em torno do estádio.