Divergências entre nações ricas e em desenvolvimento podem frustrar encontro global, no Japão
Bettina Barros | De São Paulo - Valor
A 10ª Conferência das Partes (COP-10) da ONU sobre Diversidade Biológica, que será realizada no mês que vem em Nagoia, no Japão, corre o risco de ser mais um fiasco internacional - e isso teria impacto negativo para o Brasil ainda maior que o fracasso nas discussões do clima em Copenhague, afirma o governo brasileiro. Representantes de 193 países não chegaram a um acordo durante a última sessão do grupo de trabalho do chamado Protocolo ABS (Acess and Benefit Sharing), realizada anteontem no Canadá. O protocolo é uma peça fundamental para o sucesso das discussões: é ele quem regulamenta o acesso a recursos genéticos e a repartição de benefícios gerados pela biodiversidade.
Na mesa está o acesso dos países ricos a matérias-primas biológicas dos países em desenvolvimento, mas com a garantia de compensações dos setores beneficiados, como a agricultura e a indústria farmacêutica. Graças às florestas tropicais remanescentes, o Hemisfério Sul detém os últimos grandes estoques de biodiversidade do mundo. O Brasil responde, sozinho, por 20% dessa diversidade.
"Os empresários querem segurança no marco jurídico para desenvolver seus projetos usando a biodiversidade. Ninguém quer ser acusado depois de biopirataria", disse Bráulio Dias, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, no seminário "Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade", realizado em São Paulo pelo Valor.
Divergências importantes entre países ricos e em desenvolvimento podem frustrar o encontro global. A União Europeia defende frear a perda de biodiversidade até 2020, meta considerada "muito ambiciosa" pelo Brasil. O governo brasileiro quer principalmente transferência de recursos, mas também cooperação internacional e capacitação tecnológica. "Não adianta criar metas e não ter como implementá-las", disse Dias.
"Faremos uma última tentativa para chegar a um acordo sobre o protocolo em Nagoia, antes do início das reuniões, mas, infelizmente, há o risco de Nagoia se tornar uma nova Copenhague", disse o representante do ministério, referindo-se à falta de consenso sobre as negociações para desacelerar as emissões de CO2 no planeta.
A estratégia do governo brasileiro para pressionar países ricos inclui mostrar avanços como a redução de 75% do desmatamento de 75% na Amazônia entre 2004 e 2009 e a criação de áreas protegidas, que já atingem 17% do território nacional. Mas o Brasil poderá também ser vidraça.
"Podemos ser cobrados pelas propostas de mudança no Código Florestal e pelas queimadas deste ano", disse Dias.
Lançada na Eco-92, no Rio de Janeiro, a convenção tinha como principal meta reduzir a perda de biodiversidade no planeta em um período de 18 anos. As Nações Unidas definiram 2010 como o Ano Internacional da Biodiversidade, mas os resultados estão longe do idealizado. Em seu relatório mais recente, divulgado em maio, a ONU mostra que o planeta perdeu 30% do estoque de seres vivos que tinha nos anos 70 e estima em até US$ 4,5 trilhões o prejuízo mundial anual com desmatamento.
Parte do problema é que ainda há certo desconhecimento científico sobre o tema. Por isso, Nagoia deverá retomar a criação do IPBES, o painel intergovernamental da biodiversidade, nos moldes do IPCC, de mudanças climáticas.
País teme fiasco na cúpula da biodiversidade
setembro 24, 2010
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