“As leis da natureza não obedecem às leis do homem”

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Mestre em engenharia florestal da SBPC critica políticos diante das discussões do Novo Código Florestal

Ana Paula Siqueira - Jornal do Brasil

 

O secretário da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), José Antônio Aleixo, afirma que há uma “disputa irracional” entre ambientalistas e ruralistas na elaboração do Novo Código Florestal, que poderá ser votado esta semana no Congresso. Na avaliação dele, se qualquer dos dois grupos vencer a batalha, o Brasil é quem sairá perdendo. Ele defende o uso da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento em todas as áreas, mas lamenta que as discussões em torno do projeto tenham como prioridade as posições partidárias e não o equilíbrio entre produção rural e preservação do meio ambiente.
 
Como o senhor vê as alterações feitas pelo relator do projeto, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP)?

 
– As alterações do deputado são feitas a cada minuto. Quando resolveram votar na Câmara, viram que tinha alteração que não constava do acordo partidário. O Código de 1965 precisa de atualização. Mas essa proposta está muito longe de resolver os problemas de produtores e ambientalistas, apenas os jurídicos – mais diretamente os crimes ambientais. Se o substitutivo fosse rejeitado, a agricultura iria sofrer. Por outro lado, se for aprovado, haverá problemas para conservação das nossas paisagens. Se houver essa disputa irracional, qualquer um dos dois que ganhe, quem perde é o Brasil.

 
É possível aliar desenvolvimento agrário com preservação do meio ambiente?
 

– Sem dúvida alguma. Mas as leis da natureza não obedecem às leis do homem. Quem pode de certa forma aproximar das leis da natureza à dos homens são a ciência e a tecnologia. Os ruralistas levantam algumas questões que a gente tem que parar para pensar. A discussão é nacional, mas as pessoas não estavam nem aí para o Código. Caso se importassem, esses problemas não existiriam.
 
O senhor acredita que o adiamento da votação do Código Florestal para esta semana dê tempo suficiente para a discussão da proposta?


– Na realidade é muito difícil saber se realmente será votado. O que está valendo são as posições dos partidos políticos. Acredito que o que pedimos no documento possa ser incorporado, mas sem precipitação.

 
O governo pretende votar o Código Florestal esta semana de qualquer maneira. Quais os pontos de divergência entre a SBPC e o texto de Aldo Rebelo?

 
– A legislação ambiental em áreas urbanas não pode ser à parte do Código. Além disso, a ciência mostra que não há garantias de preservação em se colocar faixas fixas de proteção de lagos e rios. Mas existe uma série de outros fatores a serem considerados, como os lençóis freáticos. Hoje existe tecnologia para delimitar essas áreas.

 
O senhor acredita que há chance de a SBPC e da ABC convencerem os parlamentares da importância de uma base científica para a elaboração do Código Florestal?

 
– Nossos parlamentares são inteligentes. Acredito que muitos deles acreditam que seria necessário. Mas é uma briga de poder. As posições partidárias superam todas as outras discussões. 


Para fazer um Código justo – e não de caráter punitivo – também teria que se envolver juristas. Por outro lado a ABC e a SBPC não estão pedindo para liderar esse trabalho, mas se propõem a colaborar. Os cientistas foram convidados para participar dos debates?
 
– Não. O deputado Aldo Rebelo disse que convidou, mas que a SBPC negou. Começamos os estudos no dia 7 de julho do ano passado, comunicamos a todos os congressistas e prometemos entregar o resultado em dezembro. Mas, no decorrer do trabalho, vimos que seria preciso mais tempo. 


Em novembro houve um convite da Confederação Nacional Agricultura (CNA), mas não tínhamos resultado. As informações foram muito distorcidas.

A SBPC e a ABC propõe dois anos para que sejam realizados estudos científicos para a formulação do Novo Código Florestal. Esses estudos não poderiam ter sido realizados antes, levando em consideração que a entidade se posicionou cerca de sete meses depois de o relatório ter sido votado pela comissão especial e do tema estar em pauta há mais tempo?

 
– Essas discussões estavam acontecendo em audiências publicas, não tinha uma comissão científica para estudar o Código. Se a SBPC e a ABC entrassem sem serem convidadas, seriam acusadas de lobby por ruralistas ou ambientalistas. Quando nós iniciamos os estudos, nossa ideia era analisar cada item do Código de 1965, mas chegamos à conclusão que não faria muito sentido, porque é preciso um estudo mais aprofundado.

 
Os ruralistas justificam a pressa em votar o projeto porque a moratória para os produtores que não registrarem a reserva legal em suas propriedades termina em junho. Como a SBPC vê a questão?

 
– Se o governo quisesse, bastaria uma medida provisória suspendendo a cobrança das multas, como já aconteceu antes. Acho que, na realidade, está faltando as pessoas sentarem e discutirem um acordo possível. Sabemos que a agricultura familiar tem que ter tratamento diferenciado. Muita coisa que os ruralistas falam é verdade. Mas pegam as regras para os pequenos agricultores e querem expandir para todos. Para se ter uma ideia, quatro módulos fiscais varia entre 5 e 100 hectares no país. Por isso a discussão não pode ser feita de forma linear. O país é imenso. Tem que haver estudos regionais.

 
Quais os prejuízos que a redução das áreas de proteção pode trazer não apenas ao meio ambiente, mas também à agricultura?

 
– Depende muito do ambiente. Existem áreas, por exemplo, em que a própria agricultura depende de polinizadores. A ciência prova que metade da produção de soja depende de insetos. Se houver declínio da produção de insetos, haverá declínio da produção da soja.

 
Existe o perigo de as terras produtivas acabarem caso os produtores sejam obrigados a recompor as reservas legais, como afirmam os ruralistas?

 
– É muito variável, por isso insisto que a questão não pode ser tratada de maneira linear. O grande problema são as chamadas áreas consolidas, que querem permitir que quem desmatou até 2008 fique livre de punição. E quem preservou? Além disso, qual o incentivo que se tem para uma pessoa no campo preservar a mata? Corre até o risco de ser considerada área improdutiva e ser destinada para a reforma agrária.


Não são raros os casos em que projetos de extrema importância, como o Código Florestal, sejam debatidos de maneira açodada. Em que medida o imediatismo pode atrapalhar o desenvolvimento do país?

 
– Atrapalha em todos os setores. Muitos dos nossos representantes não justificam nem o voto que receberam. Quantas vezes se brecou uma decisão por achar que vai haver prejuízo político? O Brasil está mudando, mas ainda está muito longe de permitir que ciência e tecnologia passem a ter o papel como têm muitos outros países.

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