Brotas (SP) lucra com a preservação de rios e cachoeiras

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Após sofrer com a falta de emprego por duas décadas, cidade atrai quase 200 mil ecoturistas por ano
 

Cleide Carvalho - O Globo Amanhã

BROTAS, São Paulo - O Jacaré-Pepira nasce na Serra de Itaqueri, no Meio-Oeste paulista, e atravessa 13 municípios em seu percurso de 174 quilômetros até desaguar no Tietê. Suas águas límpidas atraem grupos de jovens e famílias inteiras para o município de Brotas, em busca de diversão e aventura.

Mais de 180 mil pessoas por ano descem corredeiras em boias ou barcos infláveis, fazem rapel em cachoeiras e soltam o corpo em tirolesas que cruzam matas, riachos e cascatas. Mas o rio só segue vivo porque, 20 anos atrás, a comunidade decidiu que a preservação não seria um ônus e sim um negócio promissor.

— Quando criança eu nadava no Rio Jacaré, assim como nadava no Tietê — diz o dentista João Batista Negrão, 74 anos, um dos integrantes da ONG Rio Vivo, que liderou o movimento pela proteção. — Hoje eu continuo nadando no Jacaré, mas se um dia eu cair no Tietê morro pela poluição. O cuidado que tiveram com o Tietê foi muito menor do que o cuidado que nós temos com o nosso rio.

A decisão de manter as águas limpas não foi simples assim. No início dos anos 90, a economia do município ia de mal a pior. No campo, predominavam gado de corte e leite e começava a despontar a monocultura da laranja, com empregos de baixa qualidade.

Na ausência de oportunidades, os jovens partiam para cidades maiores em busca de trabalho. Como possível solução, surgiu a proposta para instalar um curtume à beira do Rio Jacaré-Pepira, mas a população protestou, abrindo mão dos empregos que seriam gerados pelo negócio.

A opção pelo rio limpo, porém, falou mais forte. E não veio sozinha. A população, incluindo grupos de ambientalistas e empreendedores, se juntou à prefeitura para estudar a viabilidade de novas formas de desenvolvimento.

Na busca por alternativas, o prefeito Orlando Barreto, que está em seu quarto mandato não consecutivo, descobriu caminhos na Secretaria de Desenvolvimento Econômico de São Paulo, que acabara de criar um programa para estimular a criação de 14 núcleos turísticos no interior do Estado. O prefeito também montou um grupo que elaborou o primeiro projeto de desenvolvimento turístico da cidade de Brotas.

— A Secretaria convidou 200 prefeituras para um seminário, mas só 40 mandaram representantes — conta Barreto. — O que os técnicos da Secretaria fizeram, de forma muito didática, foi mostrar num filme que o turismo gera empregos. Mostravam turistas chegando num hotel, onde trabalhavam a camareira, a cozinheira, a atendente... O turista ia passear e comia num restaurante, onde era atendido por garçons e cozinheiros. Ficamos maravilhados. A palavra mágica era emprego.

‘Boia cross’

A disposição da Prefeitura levou à criação da primeira agência de turismo de aventura da cidade, a Mata’Dentro. E a principal atração do rio não precisou ser inventada: havia anos os moradores de Brotas se divertiam deslizando nas corredeiras do Jacaré-Pepira dentro de pneus de caminhão, boias improvisadas que faziam a felicidade dos garotos da cidade. O “boia cross”, hoje praticado com capacete e colete salva-vidas, tornou-se a primeira atividade nas águas.

— Começamos com o “boia cross” radical — lembra Lázaro Roberto Buzarinho, 53 anos, ecologista e hoje integrante do Pelotão Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente de Brotas. — Os turistas não tinham experiência e caíam nas pedras, saíam todos ralados. Passamos então a colocar num bote os que tinham medo de cair. Aí ninguém queria ir mais de boia, só de bote. Mas o bote se enchia de água e a gente tinha que tirar com o capacete. Era uma loucura. Não sabíamos nem que se chamava rafting.

A aventura sem regras durou pouco. Com o projeto oficial em curso, um especialista em rafting foi chamado para orientar a atividade. Também foram estudadas outras opções de lazer a serem oferecidas aos turistas. E não são poucas as belezas naturais disponíveis.

Brotas integra a Área de Proteção Ambiental (APA) Corumbataí, Botucatu e Tejupá, onde estão as Cuestas Basálticas, encostas esculpidas em rochas vulcânicas, onde nascem dezenas de rios. Na região ocorre o afloramento do Aquífero Guarani, a segunda maior reserva subterrânea de água doce do mundo, atrás apenas do Alter do Chão, no Tapajós.

Sozinho, o município abriga 74 cachoeiras. As nascentes, ainda não catalogadas, são mais de 200. O Jacaré-Pepira, que corta o município numa extensão de 50 km e já serviu até mesmo para produzir energia elétrica no local onde hoje há o Parque dos Saltos, dá vida a 40 espécies de peixes, entre eles cascudos e piabas. No entorno, vivem tamanduás, tatus, veados e capivaras.

— As cachoeiras eram fechadas dentro das fazendas. Visitamos os proprietários para que eles abrissem as porteiras para os turistas — relembra o prefeito.

Coube a uma equipe da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) avaliar o impacto ambiental e a quantidade de turistas que cada atividade pode suportar sem causar danos ao meio ambiente. Hoje, todas as agências de turismo têm cota de quantas pessoas por dia podem participar de cada aventura.

— Tínhamos uma Prefeitura disposta a fazer a infraestrutura, empresários dispostos a investir e a universidade para avaliar e dar as diretrizes — explica Antonio Carlos Thobias Junior, secretário de Turismo de Brotas. — Com o projeto de desenvolvimento turístico também feito pela USP, o turismo teve base científica. Ficou claro que a aposta era viável.

O município de 21 mil habitantes conta hoje com 2.100 leitos de hotel e 31 restaurantes. Com as chácaras de aluguel, o número de leitos chega a 4 mil no verão, período de alta temporada. As agências de turismo de aventura, que chegaram a 16 no início dos anos 2000, foram reduzidas a menos de dez, mas se profissionalizaram e investiram na segurança do turista. Um acidente ocorrido em 2004, com a morte de uma turista numa descida de cachoeira, aumentou ainda mais a preocupação com segurança.

Atualmente, as agências operam com certificação do Inmetro e são auditadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A Prefeitura criou uma legislação própria, com uma série de normas que regulam a atuação das agências e as atividades.

A modalidade mais procurada nos pacotes é o trecho do Jacaré Pepira utilizado para rafting, que conta com 9 km e seis corredeiras. No nível mais difícil, são 12 quedas num trecho de 10 km, com declive de 55 metros.

— Temos um sistema de gestão de segurança e ele nos ensinou a gerir a empresa — diz Rafael Barbieri, da agência Ecoação. —As normas de Brotas são mais rígidas que as válidas para todo o país e aumentamos a oferta de atividades, que já são mais de 30.

Com a profissionalização e a diversificação do comércio, o perfil de turistas mudou. Os visitantes gastam mais na cidade. Em média, fazem duas atividades de aventura. Se hospedam em hotéis e pousadas mais sofisticados, frequentam os melhores restaurantes e fazem compras de artesanato e doces locais.

— Os turistas antes vinham apenas em busca de adrenalina — afirma Sérgio Rodrigues, coordenador de atividades da agência Território Selvagem. — Hoje temos aqui três gerações de famílias. Todos têm algo de interessante a fazer.

Segundo dados do IBGE, o setor de serviços, impulsionado pelo turismo, responde por mais 50% do PIB do município. Somente as empresas de turismo de aventura respondem por 22% do emprego com carteira assinada de Brotas, sem contar os temporários e freelancers. Em maioria, são os jovens da cidade que estão à frente das atividades de aventura, como instrutores.

— A sustentabilidade social é consequência do turismo — opina Jean-Claude Razel, 48 anos. — Muitos meninos da cidade conseguiram inserção profissional através da atividade turística, na condução das atividades de aventura. Isso virou uma profissão.

Jean-Claude Razel chegou a Brotas como consultor de atividades de aventura e desenvolveu métodos para reduzir a sazonalidade do turismo, como programas de treinamento corporativo e estudo do meio para escolas. Hoje, ele administra também o seu próprio centro de aventuras, onde oferece de “boia cross” a circuito de arvorismo para adultos e crianças.

Quando adquiriu a área de cinco alqueires, a mata ciliar à beira do Jacaré-Pepira estava degradada. Com a obrigatoriedade de recuperar a vegetação, Razel fechou um acordo com a Centrovias, administradora de trechos das rodovias SP-225 e 310, que cortam a região. Num plano de compensação ambiental, a concessionária fez o plantio de 7 mil mudas em 20 mil metros quadrados de reflorestamento na área.

— Fazendas que eram usadas para o plantio de cana e laranja se converteram ao turismo e recuperaram áreas degradadas. Foram 509 hectares recuperados apenas nos 10 primeiros anos — lembra o prefeito, acrescentando que o reflorestamento continua, mas ainda não há um estudo específico sobre quanto da área de Mata Atlântica já foi recuperado na cidade.

Áreas alugadas

Eneida Farsoni Malagutti é uma das herdeiras da Fazenda Tamanduá, uma das primeiras a optar pelo replantio. No início, seu pai ficara receoso em cobrar pela visita de uma de suas nascentes, chamada “areia que canta” (ao ser esfregada com as mãos, a areia produz um som semelhante ao de uma cuíca). Foi a mãe de Eneida, Andrelina, quem teve a ideia de oferecer aos turistas algo a mais do que simplesmente conhecer a nascente, servindo café com bolos, geleias, tortas e outras delícias.

Hoje, boa parte da área de plantação de café e cana da fazenda foi destinada ao ecoturismo. O centro das atenções segue sendo a areia que canta, mas a fazenda inclui um hotel de primeira linha, com 50 chalés. Para o empreendimento, grandes áreas foram replantadas com mata nativa e 180 espécies de pássaros foram catalogadas, gerando mais um atrativo, a observação de aves.

— Com o plantio de cana não teríamos a mesma renda — conta Eneida, que é nutricionista e chegou a trabalhar numa indústria em Campinas. — O turismo é mais lucrativo. Mas não é só dinheiro. Com o hotel, pudemos reunir a família. Somos quatro irmãos e todos nós trabalhamos aqui e vivemos do turismo.

Muitos proprietários de fazenda encaram a obrigatoriedade de manter uma mata ciliar protegida à beira dos rios como prejuízo, já que não podem plantar ou facilitar o acesso do gado à água. Em Brotas, o raciocínio é outro. Fazendeiros alugam áreas protegidas para as agências de turismo de aventura e, em alguns casos, até as vendem.

— A área preservada, que para o agricultor não vale nada, para nós vale muito — resume Mayccon Alfredo Berto, gerente operacional da Aventurah, empresa que adquiriu uma área de 10 hectares no entorno da cachoeira Santa Eulália, onde são feitas atividades como cachoeirismo e tirolesa.

O trabalho de preservação em Brotas está rendendo até medalhas. Das 32 equipes brasileiras que disputam campeonatos de rafting, 19 são de Brotas, com 62 atletas cadastrados. Em novembro, a equipe Alaya disputa o campeonato mundial na categoria júnior na Nova Zelândia, defendendo o título obtido em 2011 no mesmo país.

— O rio é o grande vetor do desenvolvimento da cidade e temos ao redor dele 50 tons de verde — afirma Razel. — Vivemos e divulgamos a cultura da vida ao ar livre.


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