Laura Antunes e Rodrigo Bertolucci | O Globo
Temperaturas elevadas aliadas a períodos de chuvas. A combinação dos dois fatores traz de volta o fantasma de um problema que costuma assustar os cariocas e causar sofrimento aos moradores da capital, em especial no verão: a dengue. E, desta vez, a situação pode ser ainda mais grave, diante da estação que se aproxima: o Rio, junto com outros dez municípios fluminenses, admite o governo do estado, já apresenta índice de infestação pelo Aedes aegypti acima de 4% (40 imóveis com foco do mosquito para cada mil domicílios), considerado de alto risco na avaliação do Ministério da Saúde.
De acordo com especialistas, é o momento de acender a luz amarela para que o verão que se aproxima não seja cenário de uma nova epidemia de dengue. A doença também se mostra preocupante país afora, tendo causado um total de 573 mortes este ano — um crescimento de 96% em comparação a 2012 (292), de acordo com levantamento divulgado ontem pelo Ministério da Saúde. Do total de 1.477.000 casos da doença em todo o país, 936.500 aconteceram no Sudeste, o que representa 63%.
Os dados da Secretaria estadual de Saúde apontam as 11 cidades (Rio de Janeiro, Angra dos Reis, Itaguaí, Japeri, Magé, São João de Menti, Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Macaé e São João da Barra) como “em situação de alto risco’ Os números fazem parte do mais recente Levantamento do Índice Rápido para o Aedes aegypti (LIRAa ), feito em 80 cidades do estado, entre os dias 13 e 19 de outubro. Esse índice mostra a infestação nos imóveis.
ESPECIALISTA QUER MAIS PREVENÇÃO
Para o especialista Edimilson Migowski, pediatra e infectologista, a situação é muito preocupante.
No entender do médico, há risco de ocorrer uma nova epidemia da doença na cidade. Para que o problema não aconteça, Migowski crê que seja o momento de fortalecer um novo trabalho de prevenção da dengue e conscientização da população. — É um trabalho a ser executado por várias secretarias.
Quanto maior o número de infestação, maior o risco de uma nova epidemia, claro. Isso porque o verão está chegando e, com ele, virão as chuvas. Mesmo as áreas com baixos índices de infestação devem ser observadas, porque isso pode ter acontecido apenas pelo fato de não ter chovido nessas regiões — explica ele. Enquanto o governo do estado divulga um boletim citando o Rio como área de alto risco, o levantamento do Ministério da Saúde cita a cidade apenas entre os 525 municípios em “estado de alerta”.
Outros 157 municípios são apontados como estando em situação de risco. No relatório, a União faz comparação com números coletados em 2010 e 2013. No caso do Estado do Rio, segundo a Secretaria estadual de Saúde, o número de notificações cresceu este ano (217.885) em relação a 2010 (26.800). O total de mortes, que em 2010 foi de 41, este ano já chega a 57. Os casos graves da doença caíram: de 2.437 (2010) para 1.207 (2013).
SÃO 26 CIDADES EM ESTADO DE ALERTA
Para Migowski, esses dados — o aumento das notificações — são sinais positivos. — Um aumento no número de notificações pode significar que melhorou o atendimento à população, com mais clínicas de saúde, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e polos de atendimento a pacientes com dengue. As pessoas tiveram atendimento e, com isso, o número de mortes sofreu uma queda (percentualmente, em relação ao total de casos) — acrescenta ele.
O infectologista, no entanto, diz que ainda é preciso melhorar a prevenção, com ações que sejam contínuas. E também a conscientização das pessoas de que o mosquito é doméstico e, por isso, preciso combatê-lo em casa. — Esse mosquito não está na mata. Está dentro de casa. Devemos levar em consideração que o índice de infestação demonstra que o mosquito deve ter colocado muitos ovos nessas áreas, que, em breve, poderão ser atingidas pela chuva — lembra o especialista.
Os focos, de acordo com o levantamento da Secretaria estadual de Saúde, foram encontrados em bairros de 11 municípios. Além desse grupo de risco, o trabalho revela também que outras 26 cidades estão, neste momento, em estágio de alerta (com índice de infestação entre 1% e 3,9%). Dentro desse grupo, as maiores taxas foram registradas em Santo Antônio de Pádua (com 2,6% de infestação), Itaboraí (2,4%), Japeri (2,3%) e Itaguaí (2,1%).
Cerca de 70% das cidades do Rio, no entanto, têm infestação pelo Aedes aegypti abaixo de 1% — índice considerado satisfatório pelo Ministério da Saúde. Barris, pratos de plantas, garrafas e latas estão entre os criadouros mais comuns, presentes em mais de 60% dos imóveis infestados, como mostra o levantamento da secretaria. No estado, uma das ações de combate ao mosquito da dengue é o uso de carros fumacê, intensificado durante o verão.
Moradora de um apartamento com terraço na Tijuca, a dona de casa Maria José Marques se considera uma pessoa de sorte: nunca contraiu dengue, apesar de o bairro já ter registrado no passado centenas de casos da doença. Mas ela não atribui isso, na verdade, apenas à sorte. A moradora afirma que jamais esquece os cuidados básicos para evitar a existência de ovos do Aedes aegypti em seu imóvel. — Acho que todos devem fazer a sua parte nessa luta.
Não deixo acumular água nos pratos dos vasos de plantas, nem deixo água empoçada em ralos ou outros recipientes — ensina a moradora da Tijuca. Apesar de os dados do governo do estado revelarem que 11 cidades estão em situação de risco, para o superintendente de Vigilância Epidemiológica e Ambiental da própria secretaria, Alexandre Chieppe, os números não são motivo de alarme ainda: — Os dados do LIRAa são apenas mais um componente para apontar maior ou menor risco de transmissão da dengue.
Temos que considerar outras variáveis, como, por exemplo, tipos de vírus circulantes na localidade e padrão de imunidade da população. Só índices de infestação não são capazes de dizer se vai acontecer uma alta transmissão ou não — afirma ele, destacando que o LIRAa é importante para alertar a população que é preciso intensificar as ações de controle da dengue, principalmente nas áreas com altos índices de infestação.