Maior cheia do Rio Madeira completa um mês, e rio continua a subir em Rondônia

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Rio atingiu o nível de 19,14 metros nesta segunda.


Ivanete Damasceno
Do G1 RO

O nível do rio Madeira continua a subir 31 dias após bater o recorde histórico de 17,52 metros - de 17 anos atrás - e desabrigar e desalojar mais de 12,5 mil pessoas em Rondônia. Segundo a Defesa Civil Estadual existe uma tendência de estabilização do nível já que as chuvas na Bolívia diminuíram. A Agência Nacional de Águas (ANA) informou que a cota do Madeira atingiu nesta segunda-feira (17) uma nova máxima: 19,14 metros. E a Defesa Civil não sabe dizer quando ou se as famílias desabrigadas poderão retornar às suas casas. Oficialmente nenhuma morte relacionada à cheia foi confirmada.

O governo estadual recebeu do Ministério da Integração Social R$ 5 milhões, dos quais só foi liberada a primeira parcela, cerca de R$ 500 mil, utilizada para a compra de alimentos, água, colchões, dentre outros produtos para os desabrigados, diz a Defesa Civil. Não há previsão ainda para a liberação dos R$ 4,5 milhões restantes.

Rosângela Alves dos Santos, de 40 anos, vive desde o dia 25 de fevereiro na Escola Estadual Orlando Freire, e, junto com a família, recebeu doações de roupas, colchões, e, diariamente, recebe alimentos. “Saí de São Carlos com cinco peças de roupa. Nossas coisas ficaram tudo lá. A minha casa já não existe mais. O rio cobriu”, diz.

Além de Porto Velho e os distritos localizados no eixo da BR-364, Baixo e Médio Madeira e margem esquerda do rio, foram afetados pela maior enchente os municípios Nova Mamoré, Guajará-Mirim e Candeias do Jamari. Os distritos de Porto Velho localizados no Baixo Madeira mais afetados foram São Carlos onde toda a população foi retirada do local e Nazaré com mais de 90% das famílias retiradas.

Início da cheia

Anualmente, com o período de chuvas na região amazônica – dezembro a abril -, o nível do Rio Madeira aumenta. O rio atinge o máximo em abril. A cheia deste ano, ao contrário, começou a preocupar as famílias desde dezembro de 2013, quando atingiu a cota de 14,12 metros, cinco metros acima que o mesmo período do ano anterior. Naquele mês, o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) já sinaliza maior risco de inundações e desmoronamentos para quem mora em bairros próximos ao Madeira.

No dia 27 de dezembro de 2013, o rio atingiu 14,12 metros e foi decretado estado de alerta. No dia 7 de fevereiro deste ano, o Rio Madeira chegou a cota de 16,45 metros e a prefeitura de Porto Velho decretou estado de emergência. No dia 26 de fevereiro, o prefeito Mauro Nazif decretou estado de calamidade pública em Porto Velho. O nível estava em 18,60 metros.

A prioridade, diz a Defesa Civil, foi evitar mortes. Objetivo alcançado até o momento. Porém, começou a exposição a doenças, como diarreias, malária, dengue, leptospirose e ainda houve aumento do número de picadas de cobras e ferradas de outros animais peçonhentos. “Não somente os desabrigados, aqueles que perderam suas casas, mas toda a população de Porto Velho está afetada indiretamente pela cheia do Rio Madeira. Durante sobrevoos, nós vemos um rio que virou mar”, afirma o tenente-coronel Demargli Farias.

A maior enchente em Rondônia já deixou pelo menos 800 famílias vivendo em abrigos na capital, nos distritos e municípios atingidos pela cheia. Em Porto Velho, as famílias de Rosângela Alves dos Santos, Rosione Batista e Ana Paula da Silva Correia foram retiradas do distrito de São Carlos e levadas para a Escola Estadual Orlando Freire, onde tentam viver de forma comunitária.

Lá, as mulheres são responsáveis por preparar a alimentação, cuidar da limpeza do refeitório, enquanto os homens devem limpar o pátio e fazer a segurança do novo lar. Nas salas de aula, cada família alojada é responsável pela higienização. “É uma organização que já veio do abrigo em São Carlos onde eles estavam. Foi apenas adaptado para que as responsabilidades sejam divididas com as famílias que vivem aqui”, diz Nilva Lopes, assistente social da Secretaria Municipal de Assistente Social, que está todos os dias na escola no intuito de manter uma organização, verificar as necessidades e ainda, escutar os próprios desabrigados.

A família de Ana Paula foi uma das primeiras a ter a casa invadida pela água. Ela conta que construiu um assoalho mais alto na casa, acreditando que a água não subiria tanto. “Hoje eu não sei onde está minha casa. Virou tudo um mar. Os móveis que ficaram dentro de casa, estão todos perdidos”. Ana Paula perdeu ainda uma plantação de 1,5 mil pés de açaí, o que gerava uma renda de R$ 500 mensais. Atualmente ela vive de doações.

As doações também ajudam Rosione Batista, de 29 anos, que perdeu casa, plantação de macaxeira (mandioca), criação de galinhas e até um motor usado para gerar energia elétrica. “Subi o assoalho da minha casa três vezes. Mas a água subiu rápido demais e não consegui tirar quase nada. Perdi tudo. Agora estamos esperando uma resposta para saber o que será feito de nós”.

A mesma inquietação tem Rosângela Alves dos Santos. Ela diz que, da sua casa, conseguiu tirar apenas um colchão e um aparelho de TV. O restante ficou na casa que já está coberta pela água do Rio Madeira. “Na terça-feira (11), meu marido foi em São Carlos para tirar um cavalo de dentro do rio. Conseguiu tirar, mas a nossa casa não presta para mais nada. Até o telhado está todo coberto”.

Na escola onde estão abrigadas as três mulheres, há 30 famílias de São Carlos. Todos vivem a mesma situação de perda e esperam uma resposta, sem saber para onde serão levados. “As pessoas que viviam em São Carlos há mais tempo, não acreditam até hoje que a água cobriu as casas. Eu não quero mais voltar. Ninguém quer ficar num local para ter a casa alagada todos os anos. Porque a conversa é que isso vai se repetir de agora em diante”, comenta Rosângela.

Para melhorar a assistência a essas e as outras famílias desabrigadas, a Defesa Civil está preparando o parque de exposições de Porto Velho com o objetivo de reuni-las em um só local, desocupando, desta forma, escolas e igrejas que cederam o espaço. Segundo o tenente-coronel Demargli Farias, deixar todas as famílias próximas demanda uma logística melhor para assistência.

Farias diz que não é possível saber quando as famílias poderão sair dos abrigos. "Em muitos lugares, não há condições para que elas voltem para suas antigas casas. Muitos moravam em locais proibidos e hoje tudo está contaminado", diz Farias.

Guinchos e barcos: lucro com a cheia

Pelo menos 14 empresas de guinchos disputam a travessia em quatro dos cinco pontos alagados da BR-364 em 230 quilômetros entre Porto Velho e o distrito Abunã, no sentido do Acre, em decorrência da lâmina de água com cerca de 90 centímetros que cobre a pista da rodovia. O preço do serviço pode chegar a R$ 200 por trecho.

No Porto Organizado de Porto Velho, houve um aumento de cerca de 500% no movimento influenciado pela cheia do Rio Madeira, segundo a Sociedade de Portos e Hidrovias do Estado de Rondônia (Soph). Diariamente, o Porto operava com uma média de 6,2 mil toneladas em circulação e saltou para 20 mil desde o início da cheia.

Outros que estão lucrando com a cheia são os donos de voadeiras – pequenas emabarcações a motor - que fazem a travessia do rio, pelo valor de R$ 2 até R$ 50 para pessoas (o valor varia conforme o percurso) que desejam fazer um "turismo de enchente". O passageiro - que são locais ou visitantes de ocasião.

O barqueiro Manoel de Oliveira trabalha em uma fazenda na margem esquerda do Madeira que foi alagada. Para não ficar sem trabalho, pegou a voadeira e resolveu ir a Porto Velho para fazer a travessia das pessoas de uma margem a outra do rio. No entanto, o que ele diz que mais acontecem são turistas querendo passear na enchente. O preço dele é de R$ 5 por 15 minutos. Se o percurso for maior, o valor também será maior. "Eu estava sem trabalho e, como já tinha a voadeira, resolvi trabalhar aqui. Por mês eu tô tirando uns R$ 3 mil", diz.

Doenças

O diretor-geral do Laboratório Central de Rondônia (Lacen), Luiz Tagliari afirmou houve um aumento de mais de 300% de casos de leptospirose nos primeiros 72 dias deste ano, comparando mesmo período de 2013. "Certamente teremos um surto da doença em no máximo 60 dias”, enfatizou Tagliari.

Já a Agência Estadual em Vigilância em Saúde (Agevisa) diz que está realizando ações de prevenção de doenças desde o início de fevereiro, mas ressalta que ainda não é possível saber se houve aumento de casos de malária, diarreias, dengue, entre outros, por causa da cheia. "Estamos trabalhando em parceria com a Funasa e o município de Porto Velho e todos estão sendo atendidos, com prioridade para prevenção de leptospirose, leishimaniose, dengue e toda a enchente de um modo geral", explica Arlete Baldez, coordenadora da Agevisa.

Órgãos públicos atingidos

A cheia do Rio Madeira também fez órgãos públicos paralisarem temporariamente as atividades. Dentre os atingidos, está o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e a Receita Federal que mudaram de endereço. Segundo TRE, a maior preocupação era com as urnas eletrônicas que são avaliadas em R$ 7 milhões. No dia 14 de fevereiro, as urnas começaram a ser levadas para o depósito do Tribunal de Justiça. No dia 19 de fevereiro, o acesso ao prédio já estava prejudicado.

Ainda de acordo com o TRE, quando baixar o nível do rio será preciso contratar uma empresa para fazer reparos, quando serão calculados os prejuízos, principalmente por causa do transbordamento de fossas sépticas e dano às instalações elétricas.

Já a Receita Federal teve suas instalações interditadas no dia 29 de fevereiro. A água já havia coberto 70% do pátio, e também o piso de depósito de mercadorias apreendidas. Muitos dos serviços da Receita Federal podem ser feitas pela internet. Por este motivo, somente os serviços que só podem ser feitos na sede do órgão foram paralisados, dentre eles, o parcelamento previdenciário. O órgão passou 11 dias sem atendimento ao público.

Os serviços mais prejudicados foram: emissão de certidões eletrônicas, certidões negativas, alteração no CNPJ de empresas e a baixa de valores pagos pelo contribuinte para fins de quitações de débitos com o Fisco. “Estou constrangido e decepcionado”, reclamou o representante de vendas Adilson Marques, que dependia de um documento que o autorizaria a viajar com seu caminhão. “Isto aqui é um desserviço”, concluiu ele, referindo-se a um aviso, afixado na tela da guarita, que dizia: “serviços suspenso por tempo indeterminado. Informações pela mídia”.

Não há registros de prejuízos aos contribuintes. No entanto, em ato declaratório, quem foi intimado para prestar algum esclarecimento ou comprovar algum dado e o prazo venceu quando da suspensão do expediente, de 5 a 12 de março, os prazos foram automaticamente prorrogados para o dia 13, informa o órgão.

Produtos armazenados

A Defesa Civil informa que não foi registrada falta contínua de produtos nos municípios afetados pela enchente. Apenas em Guajará-Mirim e Nova Mamoré que há dificuldade por causa do tráfego pela rota alternativa criada após o isolamento dos dois municípios. A BR-425, que liga Porto Velho até a fronteira com a Bolívia está coberta pela água do Madeira.

Na sexta-feira (14), Guajará-Mirim e Nova Mamoré, cidades de Rondônia que ficaram isoladas pela cheia dos rios Madeira, Araras e Ribeirão, estavam há sete dias sem receber nenhuma mercadoria essencial, como mantimentos, água, gás de cozinha e combustível, devido a um protesto que bloqueou a Linha 28, em um distrito de Nova Mamoré, usada como rota alternativa para se chegar à região.

Nos supermercados, há mercadoria para mais uma semana. "Recebemos tudo o que estava faltando. Parte também veio por balsa. Nosso estoque de perecíveis está completo para uma semana”, informa o gerente de supermercado Eliseu Dambros. A gasolina chegou, mas em poucas horas o reservatório de um posto de combustíveis esvaziou. O estoque de água mineral foi reforçado, mas o galão de 20 litros custa quase três vezes mais.

De outra forma, alimentos e água mineral estão sendo armazenados pela própria Defesa Civil para dar assistência aos desabrigados. Até agora, foram distribuídos mais de 300 mil litros de água e mais de 8 mil toneladas de alimentos para os desabrigados, diz a Defesa Civil Municipal. Somente a Defesa Civil Estadual entregou cerca de 60 toneladas de alimentos e em torno de 30 mil litros de água.

Histórico: a cheia em 1997

O atual chefe de operações da Defesa Civil Municipal, Paulo Afonso, diz que para se ter uma ideia da diferença entre a cheia atual e a de 2007, quando ele já atuava no órgão, apenas no dia 9 de abril daquele ano que o Madeira chegou ao ápice, 17,52 metros. A enchente invadiu bairros, distritos e afetou cerca de 1,6 mil famílias somente em Porto Velho. No eixo da BR-364, apenas o antigo distrito Mutum-Paraná, hoje conhecido como Velha Mutum, foi afetado, no entanto, a água não cobriu a rodovia, informa Paulo Afonso.

Com a situação, foi decretado então estado de primeiros socorros, o que hoje equivale a calamidade pública. Para as famílias atingidas pela cheia, lembra Afonso, foram distribuídos filtros de água, mosquiteiros, redes e colchões. Água não era distribuída. Não foram registradas mortes e prédios públicos não foram alagados. “A água chegou até o posto de combustível da Rogério Weber, mas não tinha TRE nem Receita Federal ali perto, então nenhum prédio foi atingido. Se for comparar, a cheia daquele ano foi um riozinho. Hoje a gente ver um mar”, afirma Afonso.

Foram afetados os bairros Nacional, São Sebastião, Baixa da União, Triângulo e Belmont. Na Praça Estrada de Ferro Madeira-Mamoré a água ficou perto dos galpões. No entanto, no Baixo e Média Madeira, quase todos os distritos foram atingidos e os moradores retornaram para suas casas depois que o rio baixou o nível de água, no final de maio.

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