Nas regiões em que o vírus é uma ameaça mais grave, secretários de Saúde e especialistas contestam o ministério. Surto em Campinas fecha creche por tempo indeterminado
Ullisses Campbell – Correio Braziliense
São Paulo — Com uma ajuda nada providencial do tempo frio, a gripe suína avança nas cidades do Sul e do Sudeste. Em São Paulo, o número de mortes chegou a 20 e a Secretaria de Saúde do estado já estuda um plano emergencial para conter a proliferação da doença — um exemplo é multiplicar os postos de atendimento, até com a ajuda do Exército em diversas cidades do interior. A mais recente vítima da nova gripe no estado é uma mulher de 32 anos, moradora do município de São Carlos, a 230km da capital. O que mais chama a atenção para esse óbito é que a mulher estava saudável até contrair o vírus e morrer em menos de 48 horas.
O governo do Paraná também pediu ajuda ao Exército para montar tendas e atender a população que reclama de sintomas da gripe suína. Só na região de Curitiba, foram anunciadas quatro mortes de pacientes, sendo dois deles jovens com idade entre 25 e 30 anos. “Há uma grande desinformação entre a população e boa parte dessa divergência ocorre porque o Ministério da Saúde diz uma coisa e os especialistas nos estados dizem outra”, reclama o subsecretário de Saúde de Curitiba, Carlos Colasso.
Uma das divergências apontadas pelo subsecretário estaria na febre. “Um protocolo do Ministério da Saúde define que, para ser caracterizado como ‘suspeito’, o paciente tem que apresentar febre, no entanto, um paciente curitibano morreu no interior do Rio Grande do Sul, na semana passada, sem apresentar quadro febril. Na sexta-feira, saiu o resultado do exame que comprovou que ele teve gripe suína”, conta Colasso.
Segundo disse ao Correio o diretor do Hospital Emílio Ribas, David Uip, como se trata de uma doença nova e de um vírus desconhecido, tudo o que se afirmar hoje sobre a pandemia pode mudar amanhã. “Não sabemos quase nada sobre esse vírus. A situação é tão crítica que ele pode mudar e tornar-se resistente aos medicamentos de que dispomos hoje para tratar a doença”, alertou Uip.
O infectologista Aníbal Valle, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, chama a atenção para o excesso de cautela com que o governo vem tratando a doença. “Fomos orientados por um protocolo para tranquilizar a população, mas o número de mortes aumenta a cada dia, o que deixa todo mundo preocupado. Outro ponto que começa a gerar controvérsia é atenuar os efeitos dessa gripe, comparando-a com a gripe comum. Como se trata de um vírus novo, precisamos de mais informações e não as temos no momento”, diz o infectologista.
Na cidade de Campinas, a 93km de São Paulo, a prefeitura anunciou ontem que manterá uma creche fechada por tempo indeterminado por causa de um surto de gripe suína que fez 12 vítimas não fatais só na semana passada. Uma das pacientes, uma pedagoga, está numa Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), com sintomas da doença. Outros três funcionários apresentam os sintomas, mas não têm complicações.
A Secretaria da Saúde de Osasco também anunciou ontem mais duas mortes, sendo que uma é de um homem de 37 anos que chamou a atenção pelo fato de ter corpo atlético e, segundo familiares, ser uma pessoa saudável. A outra vítima é uma mulher de 57 anos que apresentava complicações respiratórias antes mesmo de contrair a nova doença.
No Rio, a Secretaria de Saúde e Defesa Cilvil informou que os hospitais do estado têm 55 mulheres grávidas internadas com suspeita de nova gripe.
Risco para todo mundo
Os dados do Ministério da Saúde revelam o que os especialistas de todo o país já afirmavam:
“Não há como definir um grupo de risco para a gripe suína”, explica o infectologista Artur Timermann. De acordo com boletim divulgado no site do ministério, mais de 66% dos 222 pacientes que foram infectados pelo vírus e tiveram complicações respiratórias não apresentavam histórico de doenças.
No início da pandemia, o governo sustentou que idosos, crianças com menos de dois anos e portadores de doenças crônicas teriam prioridade no tratamento com o antiviral Tamiflu e deveriam receber atenção especial. “Esse é o grupo de risco para a gripe comum. Foi um despautério colocar o mesmo grupo para a nova gripe. O grupo de risco para essa pandemia engloba todos nós”, afirma Timermann.
O presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Juvêncio Furtado, explica que, por ser uma doença nova, a gripe suína tem se propagado com facilidade entre adultos jovens, de 19 a 45 anos.
A nova gripe já matou 816 pessoas em todo o mundo, conforme balanço oficial da Organização Mundial da Saúde (OMS). O número de infectados passa de 134.500. O continente americano é o mais afetado, com mais de 87.900 casos e 707 mortes. Na Europa, são 16.550 contaminados e 34 mortes. A região do Pacífico tem 21.577 casos e 30 mortes. No Sudeste Asiático já há 7.358 infectados e 44 mortes, enquanto no Mediterrâneo Oriental houve 890 confirmações e uma morte. (DM)