Concessões no Código Florestal

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Planalto cede a uma das reivindicações da bancada ruralista para evitar derrota na votação de hoje e flexibiliza regras de recomposição do terreno devastado em áreas de preservação permanente

Ivan Iunes
Vinicius Sassine - Correio Braziliense

 
O prenúncio de uma derrota histórica na sessão de hoje que votará o Código Florestal na Câmara dos Deputados levou o governo federal a ceder na última hora em um ponto-chave da nova legislação: as áreas de preservação permanente (APPs) às margens de rios e córregos. O Palácio do Planalto informará à bancada ruralista na sessão que aceita dispensar uma parcela dos pequenos agricultores de recompor terrenos devastados irregularmente. A proposta negociada ontem pela presidente, Dilma Rousseff, e aliados libera proprietários de áreas inferiores a quatro módulos fiscais de recomporem parcela superior a 20% do terreno.

 
A dispensa, na prática, significa um retrocesso em relação ao compromisso firmado por Dilma durante a campanha eleitoral do ano passado. Ela prometeu vetar qualquer diminuição de APPs. Pelo acordo acenado, quem tiver mais de 80% da área comprometida com APPs e desmatou ilegalmente não precisará recompor toda a área protegida, mas apenas o limite de 20%. Depois de ouvir aliados, ministros e até ex-ministros do Meio Ambiente durante os últimos sete dias, Dilma entendeu que era necessário evitar uma derrota acachapante no plenário da Câmara — o governo federal só conseguiria reunir 100 dos 513 votos da Casa.

 
O projeto do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) que será votado hoje com flexibilizações propostas pela própria bancada governista — uma emenda do PMDB também deve ser votada — tem marcha garantida para a aprovação tanto na Câmara quanto no Senado. Se passaria sem dificuldades pelo Congresso, a diminuição das APPs tinha o veto presidencial de Dilma tido como garantido. Foi o que reforçou ontem a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Oficialmente, coube à ministra negar qualquer intenção da presidente de recuar em relação às áreas consolidadas em APPs. “Dilma mantém seus compromissos de campanha: não quer anistia a desmatadores, nem novos desmatamentos em APPs e reservas legais”, disse a ministra. Segundo Izabella, a presidente “não deu nenhuma declaração” sobre a flexibilização das regras para a agricultura em APPs.

 
O PMDB promete manter a Emenda nº 164, acertada com os partidos — com exceção de PT, PSol e PV — para ser votada com o relatório de Aldo Rebelo. O destaque autoriza qualquer atividade “agrossilvopastoril” em APPs, o que, na prática, permite qualquer tipo de área consolidada pela agropecuária em regiões que deveriam estar preservadas. A emenda também transfere para os estados a atribuição de definir regras de regularização de APPs. “Não houve nenhuma mudança em relação à emenda. Ela vai ser apresentada amanhã (hoje)”, garante o autor do texto, deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), da bancada ruralista.

 
Politicamente, a bancada ruralista decidiu jogar à presidente o desgaste de vetar a proposta de diminuição de APPs. Agora, o governo federal tenta encontrar uma fórmula que ao menos camufle uma derrota mais expressiva. Ontem, os rualistas passaram o dia em articulações. No começo da noite, um jantar na casa do deputado federal Paulo Piau (PMDB-MG) traçou a estratégia da bancada em plenário.

 
Fragilizados pelas denúncias contra o seu principal interlocutor no governo, o ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, os ambientalistas recorreram a ex-ministros do Meio Ambiente para pedir novo adiamento.

 
Carta para Dilma
 

Nove antigos titulares da pasta desde o fim da década de 1970 assinaram uma carta aberta a Dilma em que pedem o adiamento da votação, sob pena de aprovação de uma lei “perversa”. 

“É um projeto que repete os vícios da legislação anterior. Os agricultores continuarão sem condições socioeconômicas de produzir em seu território. Faremos mais uma lei para não ser cumprida”, afirmou José Carlos Carvalho, ex-ministro no fim da gestão Fernando Henrique Cardoso, em 2002. 

“Há tanta exceção nessa lei que a verdadeira exceção fica sendo a proteção as nossas florestas”, reclamou Carlos Minc, que ocupou a pasta entre 2008 e 2010. 

A ex-senadora Marina Silva também participou do encontro dos ex-ministros com Izabella Teixeira e com os presidentes da Câmara, Marco Maia (PT-RS), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Uma reunião deles com Dilma está prevista para a manhã de hoje.
 
À véspera da votação do novo código, o relator do projeto, Aldo Rebelo, contrapôs o lobby ambientalista e também enviou uma carta a Dilma, explicando os temas polêmicos do texto. “Os exministros parecem não demonstrar qualquer preocupação com o fato de quase 100% dos agricultores do país estarem irregulares pelo código atual”, reclamou Aldo.
 

A ameaça da ilegalidade
 
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, fez uso de uma ameaça antiga aos produtores, como forma de pressionar a bancada ruralista. Não haverá qualquer prorrogação da data estabelecida em decreto para a regularização ambiental dos produtores, segundo a ministra. O prazo final é 11 de junho. A partir dessa data, produtores que não mantêm reserva legal e área de preservação permanente (APP) cairão automaticamente na ilegalidade. 


“Eu entrarei em campo com o programa de regularização ambiental no dia 12”, disse Izabella, após se encontrar com ex-ministros do Meio Ambiente. A ministra afirmou que Dilma poderá vetar os pontos discordantes. Para os possíveis vetos serem derrubados no Congresso, são necessários dois terços dos votos.

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